RESTO DE NUNCA
Hoje sou domingo e vou enastrar os cabelos,
fazer um penteado de abril e beber sol.
Quero estar no parque beijando crianças
derretidas de lama e lambidas de sorvete.
À tarde quero falar pelos cotovelos
sentada no cais, pescando sem anzol
e invejar a noite que chega desgrenhada e mansa.
È amanhâ; entro e abro o espelho
que desliza na margem da minha esperança;
deve haver no cinzeiro algum bilhete,
sempre resta alguma cinza que soprou
de uma brasa enterrada na mágoa de alguém...
Mas, nada! Nem teus olhos de verbo
traduzirão por entre pautas e claves
o resto de nunca escrito em pó.
Fico vazia de mim, de hoje, de aqui.
Com a fantasia de destino vestida às avessas.