Beijo de vaca

Quando eu era criança

Meu pai me colocou

Sobre uma vaca

Pra tirar o medo

Dai, fiquei traumatizado

Encantado, apaixonado,

Deslumbrado, aficionado,

Por todas as vacas

Se ouvir um mugido

Meu coração dispara

Perco o rumo

Perco os sentidos

Fico pasmo, trêmulo, encalhado

Não por causa da vaca

Sim, por causa da falta

De percepção e entendimento

Dessa relação macabra

Homem frágil, vaca imponente,

Com olhar expressivo

De fêmea pacata

Ruminante, mansa, adorável

Outro dia deparei-me

Com uma delas

Bloqueando meu caminho

Enquanto eu subia a trilha.

Quase a beijei

Só percebi sua presença

Quando senti o bafo quente

Soprar meu pescoço,

E a brisa temperada

Do fungado despretensioso

Ela, soberana e imóvel,

Me fitava, como quem diz:

“Essa é sua última chance...”

Dei vários passos para trás

E me virei cautelosamente

Para me distanciar

Caminhando flutuante

Até ela me perder de vista