O LAMENTO DA POESIA MARGINAL
Minha poesia tem asas de pássaro de chumbo,
voa em círculos sob um céu de vidro quebrado.
Seus versos germinam em desertos que cantam ao contrário,
enquanto cidades de coral lhe arrancam os dentes um a um.
Ela dança com fantasmas em rios de tinta invisível,
afogada no relógio de areia do equador,
onde as horas são peixes engolidos por redes de algoritmos.
Ninguém a vê:
sua luz é um fósforo aceso na boca de um túnel
que deságua em livros fechados a sete chaves de ouro.
Minha poesia veste trapos de constelações,
mas os telescópios das elites só enxergam asterismos de mentira.
Ela é um telefone sem fio que liga para ancestrais mudos,
cujas vozes ecoam em salas de espelhos opacos.
Às vezes, brilha como um farol em olhos de criança,
ilumina abismos em corações partidos ao meio,
mas ao tentar escalar o muro do mundo,
transforma-se em musgo, em pó, em sílaba apagada
pelo vento que sopra dos alto-falantes do poder.
Mesmo obedecendo às regras do jogo das estrelas,
vestindo roupas de sonetos impecáveis,
ela é engolida pelo asfalto que cresce como línguas venenosas.
Nunca será um furacão nas revistas de Nova York,
nem um suspiro nos noticiários do sertão.
Minha poesia é um fóssil de luz no fundo do mar da periferia,
um disco voador que pousou sem testemunhas.
Sua beleza é universal como o choro de um cometa,
mas morre todos os dias na boca do lobo colonial,
renascendo em silêncio,
como um nome escrito na parede de um banheiro
que a chuva lava antes do amanhecer.