ORVALHO DE ASFALTO

O asfalto da periferia engole estrelas em câmera lenta,

enquanto o rio, espelho quebrado, reflete bicicletas fantasmas.

As drogas são flores negras desabrochando nas veias da madrugada,

e a violência, um alfabeto de balas grafando o muro da memória.

A escola é um pássaro sem aspas, preso na gaiola do tempo

seus livros, folhas secas, são comidos pelo vento do esquecimento.

A fome é um relógio sem ponteiros, círculos vazios no estômago,

enquanto as propagandas mastigam o céu com dentes de LED.

Olhe: a lua é um outdoor que vende tênis de luz,

carros que voam nas telas mas enferrujam nos sonhos.

Os relógios de ouro giram no pulso dos que dormem

com a cabeça no chão, ouvindo o tremor dos metrôs.

Nas prateleiras do desespero, a saúde é um remédio sem nome

ambulâncias, barquinhos de papel, naufragam na chuva ácida.

As crianças mascam silêncio, pois o pão virou pedra,

e a cultura, um mapa rasgado, aponta para becos sem saída.

Os anúncios sussurram: Você é o que falta na vitrine

um celular de obsidiana, jeans que sangram grifes,

motos que cortam a carne do horizonte em prestações infinitas.

E os jovens, alucinados, colam os olhos no espelho quebrado:

vêem corpos pintados de logotipos, fantasmas de liquidação,

enquanto o futuro, um balão de gás hélio, escapa para o nada.

São zumbis de etiqueta, marchando na passarela do abismo,

onde cada likes é uma faca, cada share, um buraco no peito.

No supermercado das ilusões, a alma é moeda rara

e o preço da entrada é a sombra que deixaram na calçada.

Ah, periferia! Teu nome é um verso sem rima,

um grito engasgado no meio do samba dos cartões de crédito.

Mas mesmo na noite de néon e ferrugem,

alguns sonhos resistem: brotam raízes sob o concreto,

florescem em cores que as propagandas não nomeiam

pois a revolução, quando vier, será um grafite

assinado com sangue de diamante e asas de papelão.