Servos Humildes

Dizem as más línguas, obviamente influenciadas por entidades benignas

Que ao nascer, as palmas das mãos já vinham coladas

Que seu primeiro suspiro foi vendo o crucifixo

Que se repetia exaustivamente nas paredes, nos pescoços

Nas tatuagens, nas falas, nos pedidos

Nos agradecimentos.

''Saiu a primeira palavra: eucaristia!''

Dizia a mãe aos prantos, vendo seu filho ajoelhado

Fazendo menção ao pedaço de pão arredondado

Que trazia alegria à sua boca e coração.

Mas falhou em perceber, que o rebento pedia pela tia

Muito mais descolada, interessante e pés no chão do que sua imediata família

Que ainda tentava fazê-lo replicar uma palavra que nunca existiu.

Mais velho, quando ouviu a palavra ''coroinha''

Pensou em reis e rainhas, ouro e pratarias

Mas logo percebeu a realidade

Quando usava uma túnica branca na única igreja da cidade

E ajudava a distribuir as supostas primeiras palavras que disse.

Um dia chegou em casa, cansado

Questionando algumas coisas, se sentindo enganado

Mas tudo foi rebatido com uma única frase

Que fechou-lhe a metafórica porta:

''Deus escreve certo por linhas tortas''

E nunca mais tocou nos assuntos

Que tiravam-lhe o prazer de ler e escrever.

Toda sua vida, desde pouca idade

Veneravam nele uma identidade que nunca existiu.

Se já houve um dia, não resistiu

Soterrada por meias palavras

Compreendida em círculos pouco uniformes

Vendo pessoas que matam a própria fome

Apenas com oxigênio, nitrogênio e argônio;

Um sonho coletivo, exaustivo, manjado, repetitivo

Que tirou mais vidas do que salvou;

Deu muito menos do que tirou,

Apesar dos anúncios constantes

Nas partes traseiras dos carros, no retrovisor

No volante

A cada segundo, a cada instante

Uma lembrança importante

De que você (não?) está sozinho.

Mas quem seria ele além de um servo humilde,

Uma mera permissão, por bondade

Da magnânima divindade

Que soprou-lhe a vida

E a desconhecida verdade

De que nada paira sobre nossas cabeças,

Que somos apenas tolos!

Que precisamos crer em algo,

Pois fomos feitos apenas partes de um todo,

E não haverá nada no mundo que arrematerá este buraco,

Propositalmente desenhado,

Para engolir e sumir com todas as coisas boas

Que nos acontecem naturalmente,

Acreditando, assim, na necessidade

De alimentar-se da entidade

De nossa escolha.

João G F Cirilo
Enviado por João G F Cirilo em 28/08/2024
Código do texto: T8138765
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