EGO

EGO

Eu sou a lagrima esquecida pela saudade,

Sou a dor que ri da analgesia,

O espelho que sabota a vaidade,

Sou a noite que quer ser dia.

Eu sou o esquife onde descansa a morte,

Sou a língua cheia de veneno e fel,

O azar escondido sob as unhas da sorte,

Sou o Inferno que já foi Céu.

Eu sou a palavra que não se pronuncia,

Sou a memória que apaga o futuro,

A cópia que ninguém mais copia,

Sou a razão construindo um muro.

Eu sou o pai do desconhecido,

Sou submarino que não consegue emergir,

O sol, frio e envelhecido,

Sou o perdão que não pode remir.

Eu sou o ébrio de sóbrias lembranças,

Sou o negro de intestino em cores,

O quadriplégico de festivas andanças,

Sou personagem de muitos atores.

Eu sou o tempo que não se pode datar,

Sou a alma pendurada num cabide,

A nuvem que não consegue flutuar,

Sou o que fere, mas não aceita revide.

Eu sou o corpo sem movimento,

Sou o vidente surdo e cego,

O profeta de um só momento,

Sou o seu eu, o seu deus, o seu ego.

Augusto Serra