José, O Criador de Cenários
José aguardou ansiosamente sua vez.
Foram horas debaixo do sol quente, que lhe cozinhava o pensamento.
Não sabia se impressionaria, ou se fazia sentido estar ali.
Pensava em humilhação, mas dava um passo atrás
Sabia que não poderia se tornar um refém de si mesmo.
A cortina abriu e revelou três elementos
Que carregavam pranchetas e anotavam rapidamente
Qualquer intenção de movimentação que José realizava.
Se respirava: anotado.
Se suava: escrito.
Tremedeiras eram notadas,
Erros não passavam desapercebido.
Pediram, então, que se apresentasse
E acelerasse logo sua presença
Pois a fila era imensa, e poucos destes seriam especiais.
José começou com seu nome
Com sua idade
Com seu sonhos
E por fim, sua habilidade:
Era um criador de cenários.
Segundos de silêncio foram rasgados
Por minutos de risadas que não paravam
Mesmo quando os jurados se engasgavam
Com a própria saliva.
Batiam na mesa, olhavam-se entre si
E de alguma forma, riam ainda mais alto.
Mas conseguiram reunir forças
Para impedir José de sair do palco
Sem humilhar-se primeiro,
Disfarçado de interesse.
Pedidos tolos foram feitos
''Desenhe um casa''
''Troque a cor das poltronas''
''Meu banheiro precisa de um retoque, o que acha?''.
José ia perdendo a paciência
O que era notável dado os espasmos
Que acompanhavam os tiques
Pelo corpo todo.
Os jurados largaram as canetas
E agora o filmavam
Para capturar todos os aspectos tolos
Daquele homem patético que tremia tanto
Que parecia que ia desmaiar.
Mas até mesmo a diversão tem hora para acabar.
Após muitos minutos, o ar já era pesado
E o trio de jurados se perguntava se não era hora de parar.
Deram uma colher de chá, pediram meias desculpas
Ajeitaram-se na cadeira
E fizeram menção para José se apresentar.
José já não tremia mais; ostentava um sério semblante.
Teu corpo fazia nada, mas tua mente era errante
E parecia não saber mais o caminho de casa.
José respirou fundo
E com uma voz que nada lembrava
A que há tão pouco teus sonhos contava
Começou a dizer:
''Sou mais interessante do que você imagina
Sou capaz de coisas que fogem da sua compreensão
Sua desgraça será tua ruína
Sua vida está em minhas mãos.
No escuro, somos todos iguais (e então a luz se apagou)
No frio, todas as carnes tremem (e então a temperatura caiu)
Na solidão, os extremos são os ditadores (e então cada jurado se isolou)
E na individualidade, quem vê o todo, é rei.
Ao primeiro, que tanto riu
Que saboreou das gargalhadas como um banquete
Que sorriu hoje pela primeira vez.
Os outros sabem, que da porta para fora
Você chora copiosamente?
Que o fardo da vida, esmaga sua auto estima
Como uma larva
Que pragueja o solo fértil?''
Dissipou a névoa do primeiro
E ele chorava. Chorava muito.
Se desfazia em lágrimas.
José continuou:
''Ao segundo, que começou a me filmar
Que gostou de registrar meu infortúnio
Faço-lhe uma pergunta simples:
O que fez por último?
Se não sabe, eu te digo
Parado em frente ao espelho
Com máquinas na altura do cabelo
Ameaçando o corte caso não se comporte
Perante a voz que ostensivamente ocupa sua cabeça.
Que te sussurra coisas horríveis, que se alimenta da sua esperança
Uma lápide para teu raciocínio; que cínico
Justo aquele que é observado de perto
É o primeiro a sacar a gravação.
Muito justo para alguém que tenha a mente cheia,
E nenhum sinal de um coração.''
Ao esvair a segunda barreira, o segundo jurado tinha olhos arregalados
Como quem ouvia a própria consciência pela primeira vez.
Não se mexia, não falava, sequer ouvia
Qualquer coisa que entrasse pelos ouvidos
E não gerada espontaneamente nos confins dos pensamentos.
Mesmo com o primeiro jurado debruçado sobre seus ombros
Chorando como um recém nascido
Não realizava qualquer movimento
Sequer parecia vivo.
José continuou:
''Ao terceiro, que há todo o tempo está no silêncio,
A deriva num universo em que não pertence,
Proponho a continuidade do seu estado,
Assim, quem sabe aprende,
Que não ser visto há suas vantagens,
Talvez até melhor do que que se pense.
Esta barreira nunca desaparecerá,
Não importa o que tente.
Viverá preso consigo, num casulo sem propósito
Do qual nada evoluído saíra
E nenhuma evolução fluirá para dentro. ''
E no fim da sua apresentação,
Enquanto José se curvava para os jurados
Já sabia que não haveria aplausos.
Olhou pela última vez para o teatro quase vazio
E para os três pobres coitados
Que não entenderam o conceito de um criador de cenários.
''Que hajam palmas!''
E saiu ovacionado por vozes que nunca existiram.