Poesia Onírica
ARANHA
Imóvel no secreto esconderijo
No vértice soturno do jardim
Um dédalo de fios invisíveis
Funâmbulo berlinde de azeviche
MARIPOSA
Areia esvoaçante pó girante
Pálida seiva tenra em duas folhas
Noturna solidão irresistível
Cambaleando em torno das estrelas
LOUVA-A-DEUS
Caule tenro em plena verdejância
Contemplando suspenso a pradaria
Erva santa em fingida devoção
Sorvendo a branca linfa da falsídia
GAFANHOTO
Guerreiro implacável das palmeiras
Exército africano de Alexandre
Mil dunas de hidromel a esvoaçar
Obumbrando a flavíflua claridade
FORMIGA
Anã laboriosa em movimento
Primavera verão outono inverno
Perfeita simetria radiada
No labirinto térreo das cidades
BARATA
Milenar supérstite das cavernas
Correndo contra o tempo infatigável
No pavimento azul de mil vitrais
A voraz flibusteira noturnal
BICHO-DA-SEDA
Lagarta perfumada do Oriente
Quimono para gueixas de orleã
Escalando a montanha mais sagrada
Em busca do casulo original
CIGARRA
Alegria na imensidão do canto
Ensurdecendo a tarde soalheira
Prima-dona no palco natural
Cerúleo, esmeraldino e flavescente
ESCARAVELHO
Egípcio amuleto faraónico
Joia de Cleópatra e Nefertiti
Símbolo recôndito das pirâmides
Pequeno deus de um diminuto céu
BESOURO
Narcótico zunido invariável
Meditação com asas e couraça
Minúsculo centúrio romano
Gotícula de cacau volitante
CARUNCHO
Escultor sinuoso da medula
Na boscagem dos elfos e napeias
Xilófago incógnito e rapace
Escavando no lenho o seu nial
MOSQUITO
Ruidosa seringa voadora
Inoculando no suco o amargor
Confusão na corda das palavras
Para haurir o filão da hemolinfa
Sª Mª Feira, 26-02-1997