Teogonia craniana - Cuca

I

Nas fúnebres rutilâncias do caos,

formas se contorcem em amnésia.

Hirtas, afundam-se as consciências

por entre os dejetos das memórias.

As vidas que se debilitam no reino do esquecimento, expelem teus agrotóxicos enfermos e contagiam a terra, ora cheia de ideias que nunca hão de vir; assim, testifica-se a degradação dos "eus" que jamais hão de brotar do útero noturno das possibilidades em nós.

II

Nos recônditos canteiros da mente humana, anula-se a vida e encerra-se a história; ambas gritam no antro estreito, donde as palavras não chegam, donde o esterco se acumula no inferno social. Ode ao Dante que percorreu a depredação da alma, inalando a fragrância do enxofre moral; e que nos lagos de fogo abismal, fitou vidas que rezavam nos becos da violência; em vão tentavam purgar a nódoa eterna da existência.

III

No pandemônio pandêmico, Satã se aglomera junto ao desespero das vidas confinadas. E as formas sem nome pairam na escuridão do inconsciente - essa gruta amorfa que guarda as sementes do pensamento. Então, será a existência uma eterna claustrofobia em brasas? Chama escaldante que lança aos abismos, pássaros sem asas?

IV

Ah, enquanto mentes se afundam em sua própria subjetividade confinada, uma criatura noturna observa calada. Ela que procriou lagartas nas órbitas dos olhos humanos, só para vê-las formar casulos em nossas visões; de dentro deles, todas as nossas angústias e deformidades alçarão voo. Ah, da existência social, formas hostis ganham vidas compartilhadas, são artrópodes nascidos dos resíduos de quem não ousamos ser.

V

Os insetos das nossas feridas ancestrais agora pairam fora da escuridão. Eis a soberania interior que nunca há-de calar, e fecundas são as memórias que fazem inchar o silêncio até metamorfoseá-lo em palavras. A linguagem dá forma ao caos, desvelando os Érebos que outrora confinavam vidas nas funduras humanas.

VI

A poesia revela a coerência luminosa do mundo, injetando a anarquia em sua forma mais pura, ou o caos que se organiza na órbita mais escura. Em sua interioridade a consciência expande; então se extrai a vida que outrora adormecia no reino das formas vazias.

- Letícia Sales.

Instagram literário: @hecate533

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 11/12/2022
Código do texto: T7669867
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