Das coisas sublimes e terrenas.
Sabes tú o que é o sentimento de buscar o que não se sabe bem o quê?
Conheces o andar incessante de corpos desconectados da realidade que caminham como vagas no mar das multidões? Entrechocam-se em esquinas da vida, e em desculpas trocadas e mesuras sociais seguem caminhos opostos e solitários. Sabes? Curvam-se ante a onipotência do Destino e como sonâmbulos e autômatos seguem o roteiro que o mesmo escreve. Te parece familiar?
Sabes quanto te sentes demasiado humano, demasiado ínfimo, demasiado estafado e inócuo? Quando por um momento para de girar a roda tal qual roedor e observa o mundo ao teu redor, sabes tu? E sentes o sol sob a pele, o vento sob teu rosto, o estafar do corpo ao correr por correr, e como uma epifania te maravilhas com tão ordinárias coisas…E mesmo em fortes êxtases quimicamente provocados tal qual descritos por Baudelaire tu percebes a vacuidade da vida. Nesse momento tu depreendes a insensatez dos que se arvoram mais do que o são não sendo nada além de poeira e a inépcia dos que se autodenominam enviados divinos. Tu vês tão claramente como em um espelho a tua alma desnuda e os teus medos recônditos. As palavras guardadas que nunca serão ditas e as tuas próprias confidências que levarás ao túmulo, e vês tudo isso com tal desprendimento que te sentes assustado…
Já percebeste o quanto de tempo que olhaste para o abismo? E o mesmo já te devolveu o olhar? Mas isso é uma ideia de Nietzsche tão somente me dirás tu. Mas Nietzsche entendia ao menos da natureza humana, ele e Hobbes com seus aforismos lupinos e suas teorias que hoje seriam classificadas como reacionárias pelos que odeiam o Estado. A questão é que quando nos damos conta que o abismo nos olha já dentro de nós ele está. E ali ficará amalgamado ao nosso ser para sempre…
Aos antigos poetas o ópio e o absinto, aos iogues a moksha, aos ascetas as penitências. E quanto a mim? A mim me apetece as pequenas alegrias que sendo poucas e fugazes têm lugar de honra na minha fugidia lembrança. Os momentos de júbilo e os pequenos êxitos que povoam minha mente e que são os esteios de minha frágil existência.
E assim sigo. Entre êxtases quimicamente provocados e a percepção árida da realidade, busco a constância situada entre estes extremos. Me movo pacientemente tão somente matando o tempo e aguardando como todos o momento em que ele me mate…