Poética - Ísis: A ressurreição
"No dia em que esquartejei meus sonhos, partes de mim se perderam nas veredas do vazio.
A minha personalidade jazia adormecida em lugares distantes dentro do meu próprio peito.
E o coração, centro de minhas inúmeras formas, dispersava-se em total desequilíbrio com a minha essência."
A sina de minha desintegração se iniciou quando o sentido das coisas se extinguiu em meus olhos.
Fragmentos e estilhaços reduziam-me ao que eu não podia ser.
Lembranças assistiam o lento assassinato de quem outrora fui, ao passo que, eu findava o crime e
bradava:
" -Tu que respiras freneticamente enquanto apaga por entre os dedos da solidão. Que tuas míseras pulsões falhem enquanto tu morres entre as mãos do nada em uma trágica dissolução. Proclamo teu enterro escavando a rígida substância do tempo para soterrar-te na mais funda cripta encefálica.
Fito teu sangue escorrer por entre os lençóis freáticos da alma, tu se esvazias e no mais interino pânico da terra, fenece em meu olhar coagido pela raiva; a fome dos espaços clama que teu rosto é alimento irascível para a identidade perdida; e cada canto devora-te de forma insaciável.
Sou tua cova aberta ao relento e anseio aos brados: esfrie entre as eras glaciais da existência e congele entre a decomposição dos pensamentos. Serei teu túmulo no plácido alívio de um inerte coração.
Hoje tu deixas o mundo que um dia residiu. Não serei mais teu mundo, e sim, teu féretro."
Ah, o aquecer da aurora fazia brotar vermes nas vísceras do meu antigo eu morto; eles eram as rosas putridas roendo a luz da esperança enquanto cresciam no drama da carne.
No dia em que deixei de fazer sentido, parte de mim buscava restaurar o que se perdera no tempo.
Então enfaixei todos os meus fragmentos esparsos e me encavernei nas pirâmides da consciência.
Na latência dos meus dias,
eu era apenas uma múmia enrolada em estado vegetativo.
Nessa alegoria para a transformação, fiquei como Lázaro aguardando o chamado à vida.
Faço isso parecer fácil,
Arranjo as fissuras da alma sem que percebam o meu real estado.
Recuperei a unidade
em um doloroso estalo.
Só voltei a ter coerência quando pesei meu coração e tuas batidas testemunharam contra a sentença de morte que previamente eu havia me dado.
Desenfaixei minha face e vi o grande milagre ao sair de mim; eis que o meu rosto não estava tão horrendo e escavado como da última vez.
No meu horizonte nascia o sol.
- Letícia Sales
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