''Estrutura da dor'' ( IV )
Salve , salve , desejáveis poetas !
512 p
''Estrutura da dor'' ( IV )
I
''desejo escrever um verso
navalha com que te atravesso ...
mas aqui , o que sempre aparece
é a dor , que em mim acontece !
sem ti que já não anoitece
nos braços de quem não te esquece !
II
e em busca de ter o que mata
me devoro sozinho no escuro !
te desejo em mim , mais que tudo
teu amargo sabor envenena
é difícil olhar tua face
sem lembrar os momentos da cena
me matando te vejo serena !
III
o meu corpo se perde no tempo
na poeira inútil da estrada
folha seca inimiga do vento
mergulhei em estranha paisagem ...
que de mim , a estrela se apague
qual farol traiçoeiro e maldito
que esse falso brilho se acabe
me conduza ao escuro infinito !
nos badalos de um sino esquisito
minha diva !
nos teus braços pareço um menino !
IV
pobres criaturas , no seu desespero
já não sabem amar !
grande é meu delírio , minha flor de lírio
o teu brilho é santo
com suave manto , enxuga o meu pranto
no teu lindo corpo , teimo em navegar !
V
e no teu abraço , pedra preciosa
vento passageiro , amor traiçoeiro
todo o meu desejo eu vou saciar !
vida , vento , flores ...
num jardim de dores , entre mil amores
tento me encontrar !
VI
amiga morte , mesmo com dor
sinto os desejos do amor ...
traz a paz , enterra a flor !
diz a tal felicidade :
não existes de verdade ...
vejo os bichos que invadem
o teu corpo , a tua dor !
ainda morro de saudade
venha logo meu amor !
VII
escrevo ...
escravo de pálidos versos
é tão doce o teu vagar ...
tênue luz na minha alma
terremoto !
nos neurônios da minha calma ...
tua ausência é lâmina cortante
que traspassa as artérias da razão !
e assim , te sentindo viva
dentro do meu peito , vejo
o quanto o coração
é tão sutil e traiçoeiro !
VIII
te mantenho viva na lembrança
me manténs cativo no passado
vivo esse momento de lembranças
trago assim presente em minha alma
toda a imensa dor que me causou !
lembranças que não querem virar cinzas ...
IX
é imenso o muro
que encerra essa prisão
intransponível o vazio , que separa
corpo , alma , coração ...
quase nada alcançou tua vontade
na esperança de uma nova ilusão
a paixão que te devora a sanidade
está nas lágrimas molhadas de saudade
no espaço mais escuro da cidade
no silêncio que alimenta a solidão !
X
não espero encontrar o amor perfeito ...
o amor tem tua face , o teu jeito !
está no beijo , no sabor da tua carne
no teu sexo molhado de desejo
pois é em ti , que me encontro , que me vejo !
XI
folha seca carregada pelo vento
vou vivendo a minha angústia
o meu tormento !
em plena noite , ainda pode amanhecer
mas é difícil acordar , e não te ver !
XII
estou no limite , vivendo essa saga
com olhos abertos e mãos amarradas
andei coxeando entre dois pensamentos
não sei se é frio , nem sei se é quente
se amo ou odéio , se é pomba ou serpente ...
e mesmo sem jeito , componho no escuro
estimulo esse vício , alimento esse efeito !
me sinto incompleto , faltando um pedaço
e assim mutilado a vida é vazia !
XIII
não traço essas linhas , nem faço os meus passos
é força abstrata que está no comando
estou nesse jogo , bricando com fogo
só tenho a certeza que vou me queimar !
XIV
desculpa !
é só minha a tua culpa ...
nessa terra ferido , pelo mal possuído
de um vulcão aquecido , ainda sinto o vapor !
essa fera esculpida , essa serpente maldita
tem um veneno de flor !
XV
mas já te vejo sem véu
é tão escuro o teu céu
e me tendo um só momento
faz eterna a minha dor !
XVI
em tua boca vermelha
nesse teu beijo lambido
na tua ferida aberta
no movimento das pernas ...
eu me vejo absorvido
pelo teu corpo opressor !
escorpião invasor
com seu discurso envolvente
falava ainda de amor !
mas na floresta maldita
se alimenta de vida
sentindo orgasmo na dor !
XVII
enquanto a morte morde
é grande a festa ...
a vida cessou nessa estranha floresta !
esse espelho da dor , não reflete o amor !
há muito tempo , em minha face
esse sorriso , apodrecia !
no triste altar , a alegria, sem sua folia
chorou de dor , sofria !
XVIII
o veneno é amargo , percorre as artérias
penetra profundo !
juntemos os corpos , façamos a ceia
pisemos os ossos , dos nossos idosos !
não há esperança , o fogo já arde
comamos a carne , bebamos o sangue
das nossas crianças !
XIX
cantemos o hino , dos filhos que choram
no meio das cinzas !
o vermelho da vida em tantas feridas
tem cheiro de morte !
não temos escolha , é finda a espera
a boca da fera consome e devora !
XX
ó deus dessa guerra !
é triste essa dança , e tão podre a matéria !
todo rosto sem cor , testemunhas da dor
vidas sem esperança !
já não nasce uma flor , no jardim da matança !
XXI
sei que isso não é vida ...
é imensa a dor dessa ferida !
em quantos braços , teus abraços
em quantas bocas , tua boca foi lambida ?
por quantos deuses , tua entrada
foi por eles dividida ?
pois é comendo a tua carne
que esses deuses te invadem !
XXII
nessa chuva de açoites
a manhã fez-se noite !
colori a pintura com cruel amargura
do amor fiz loucura , e da dor , estrutura ...
estúpido mal !
solto os laços dessa vida ...
como dói essa ferida !
XXIII
um estranho sonho foi sonhado
que o amor , incendiado
foi expulso , maltratado
torturado e mutilado !
na razão enlouquecida
onde a fera foi ferida
a tua volta é minha ida !
sofro a dor , mesmo sem vida
da paixão entorpecida !
no escuro encontro cor
na angústia , o teu sabor !!''
RICARDO PORTELA
Açailândia MA