EU SONHAVA...
Eu pensava que te conhecia, que podia saltar de paraquedas, admirar tuas
montanhas, tuas árvores e cair sobre os braços abertos do teu abraço, mas
o paraquedas não abriu.
Que podia banhar-me em tuas águas, tranquilo, mas quando dei por mim
estava cercado pelas ondas revoltas dos náufragos.
Achava que ao final do dia eu podia deitar meu peito cansado sobre tua
alegria, mas o que havia era raiva e rancor.
Que dentro da tua oração cabiam todos que marcham em tua procissão, mas
as lantejoulas que ondulam tua veste não reluzem as madrugadas
desamparadas.
Eu pensei que no mar profundo e frio do teu rio houvesse mais calor, que o
amor estivesse lá, mas quando mergulhei vi os peixes asfixiados com o teu
veneno.
Acreditei que estava seguro sob as cobertas de tua morada, mas a telha vazou
a brisa gelada da indiferença na dança frenética das palavras ressoadas nas
telas coloridas da ilusão.
Eu sonhava que a luz do teu olhar refletia a grandeza do mundo, mas descobri
que o espelho de tua alma estava vazio.
Eu não via a tua máscara, só quando ela se partiu em mil, percebi todos os
fragmentos de tua face obscura.
Eu achava que te conhecia até o dia em que o tirano - vestido de chumbo,
fios de prata na cabeça, arames enleados no lugar do cérebro, vidros eriçados
no coração, cuspindo pólvora em sua fala sórdida... – te submeteu e se
replicou por todo o teu solo.