Roubo

roubei-lhe a sílaba esgagada em sua garganta

gritei por você,

chorei por você

as lágrimas que não eram legítimas

mas a dor completamente solidária

permaneceu

roubei-lhe a perplexidade

que em seu olho demonstrava ao mundo

uma ingenuidade insuportável

tinha que lhe dizer a veracidade do mundo

num só alerta sonoro

tinha a obrigação de comunicar-lhe

o mundo é cruel e existe

imaginei-me a guiar-te de forma branda

e delicada,

puro devaneio

mas saí arrancando-lhe os pejos

e alma

lhe apurando os ouvidos,

filtrando sentimentos

com olhar distantes e parcimoniosos...

roubei-lhe um riso certa vez

mas eu tinha mais que seus vinte anos

e, os meus vinte anos já se pareciam

com os meus quarenta

acho que nasci já com quarenta

e fui envelhecendo por dentro

a cada dor,

a cada sílaba,

a cada silêncio

e, sobretudo a cada filho

que entregava ao mundo resignada

por não me pertencer

como posso dar-lhe a vida

que já é sua?

como posso tirar-lhe a sílaba

que só em sua fonética

encontra sentido?

é roubo e

arroubo da idade e

de mãe.

como posso roubar-lhe

a eternidade abortada

à porta da manhã?

como posso ser melhor

se você é o meu melhor?

herói recriado e transgênico

toda essa metafísica

para dizer

o indizível.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 08/11/2007
Código do texto: T729154
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.