AO POSTIGO
“Réplica a M.ª João Sousa”
Ao postigo e p´ lo postigo,
Em saqueta ou mesmo à mão,
Passa tudo o qu´ eu não digo
E não tenho obrigação.
P´ la janela ou janelão
Controlar eu não consigo
Se o que passa está bom,
Seja grão, ou, seja trigo.
Não há porta, há portinhola
Surja nela mão ou rosto,
Para compra ou para esmola
Ainda que a contragosto.
Vai-se o tempo e a vontade
E já se perde o apetite,
No que toca à qualidade
Não há povo qu´ acredite.
Nestes tempos de miséria,
Haja sede ou haja fome,
Quem pretende vida séria
Quer saber o que consome.
Nestas coisas de negócio,
Quando tudo está à míngua,
Não se dê lugar ao ócio
Mas ao tento com a língua.
Ao postigo, de sua graça,
Não se espere bom cliente
Pois atende-se quem passa
Seja honesto ou indigente.
Se tem dinheiro, tudo bem,
Não se pode fazer troca;
Se não tem, fique-se bem
E vá bater a outra porta.
– Se o produto não agrada,
O qu´ é qu´ eu faço agora?
– Ninguém dá coisa estragada,
Se não gosta, deite fora!
– Isto é qu´ vai uma moenga
Nesta moda do postigo!
É estória de lengalenga
Para bom ou mau amigo…
Em tempos de pandemia
Há que fazer tábua rasa
Nas lérias, em demasia,
E truques de trazer por casa.
Já nos basta o castigo
Da triste Confinação,
Escancare-se o postigo
Mais a sua aberração.
Quem não tem ouro nem prata
Não lhe basta iniciativa,
Faz lembrar bairro de lata
De uma vida primitiva…
Ao postigo tudo passa,
Tudo passa à condição,
Vai passando, por desgraça,
Mas com Poesia não!
Frassino Machado
In AO CORRER DA PENA