Desabou a Lua…

Tornou a Lua

num tempo vasto, duplicado e repetido.

Retornou no ponto exacto

em que a deixei no ontem, na antevéspera em que morri

…ali.

Beijo-lhe o rosto, cedida. Afago-lhe o corpo,

deixo que me lamba feridas,

deixo que me defina no contorno de um desenho novo,

prata irisada, carne desassossegada,

boca inexcedível de púrpura e de carmim.

Não, não há palavras … assim!

Recolho alimento do mar azul,

nas anémonas das noites, nos corais dos dias,

na singeleza insidiosa das águas,

no beijo irrequieto ajustado nas furnas e nas fragas.

Não, não há palavras...

Desabou a Lua…

apenas nos meus cabelos deixa

a platina,

a crueza amarga da pedra nua.

Desmobilo truculenta a pele, pálida ao degelo.

Bebo o desalento do som da flauta, ventania aberta

em veias espessadas p’lo vento,

… amarras, cordas, cardinais sem rumo no tempo.

Do Sol, a solidão que me inquieta, que me aquieta,

jazida p’ra lá de morta,

num voo d’asas de mariposas.

Dos rápidos a delegação da linfa maldita

descendo desfiladeiros,

revivida no verbo e na palavra, em caudais barrentos.

Na utopia de ver claridade no preto d’alucinação,

mastigo sem saliva riachos infectos de silêncio.

Argila fria

sou, na quentura inventada da tua mão,

ânfora ardente sob plasticidade de fundura infinita.

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 31/10/2007
Código do texto: T717968
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