A inconstante habilidade para coisa nenhuma

A inconstante habilidade para coisa nenhuma

Temo que o erro não seja uma inaptidão para a assertividade

Mas uma constante desconcentração visual pela a exactidão do pensamento…

Criticamente escrevo mais lentamente do que a velocidade do pensamento

E voam os dedos no teclado minúsculo, ou no desenho artístico das letras

Nessa inadaptação ao querer que seja já sendo o que foi

Penso que pensar não seja arte, mas uma ferramenta técnica de vida

Pensar é num acto simples estar vivo…

Sendo a poética a arte da inutilidade linguística

O deslumbramento frásico sobre a beleza da curvatura das vogais

Em pleno acto isolado de voar no céu da boca

Assim são as opiniões estabelecidas

E o mundo, à falta de verdades, está cheio de opiniões.

Como estão cheias de árvores as florestas ou deixaram de o ser.

Ser poeta é:

Ter a arte e o engenho de perder tempo, nesse tempo que não tem

Enquanto rodeado de ninguém observa um pássaro que nada num céu sem estrelas

Enquanto Santo António prega sem martelo sermões às sardinhas

Que num acto de misericórdia divina

Foram condenadas por bruxaria à expiação dos pecados pelo fogo…

Ser poeta é amar todo o universo contido numa gota de água que cai

E encontrar num lago a gota de chuva perdida…

“É amar assim perdidamente” todo o mundo e toda a gente

É olhar a alma por dentro e descobrir que não tem cor

Nem raça ou credo… e que os deuses se revoltam

Por não terem uma cerveja gelada…

E neste acto glorificado pelos canos das espingardas

Que deram liberdade aos cravos…

Os poetas morrem… enjaulados pelas prateleiras poeirentas da biblioteca…

Sem que as palavras mudas gritem em pleno Rossio…

Há vida para lá da rima… o poeta, fugiu…

Alberto Cuddel

29/12/2020 03:51

In: Entre o escárnio e o bem dizer,

Venha deus e escolha VI

Alberto Cuddel
Enviado por Alberto Cuddel em 10/01/2021
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