Memórias I
Aqui nasci.
Por esta terra canto.
Levanto com amor
minha voz usada em nomes
em cadáveres e meses.
Digo, pátria, que tu és tudo,
o que aprendi a conhecer chorando,
primeiro foi a casa, a rua empoeirada
onde nada me alegrava,
Onde vivia com minha mãe,
minha voluntária lâmpada,
os retratos amarelados que olho, e vejo
ao longe, a minha infância.
Depois a escola
onde és a classe,
o uniforme, a menina do meu lado,
Onde és o mapa,
e esse paralelo com seu zero morto,
como o beijo interior do enterrado.
Então foi em uma tarde
em que troxeram
um inocente ramo de flôres,
um uniforme, morto, de cor azul,
e medalhas molhadas de sangue.
Hoje não fui a escola.
Minha mãe não deixou,
havia soldados, havia rumores
de gente que vinha ferida,
outros já chegando mortos
e a água pelos dois lados.
Hoje era um menino sem lápis
que escrevia, na parede, teu nome
com o dedo ferido, sangrando.
Logo foi o povoado
de paredes brancas, de domingos
em que Deus não é mais
que uma nuvem Azul.
Foi o verão, a poeirada, o redemoinho
em que se move a alma das casas.
Foi o caminho com seu ginete
cercado de árvores.
E tu estavas
com tua grande doçura angelical
tua vida frágil
de menina triste.
Então eu volto a compreender-te
na queimada das florestas, ao entardecer
na congregação dos religiosos a rezar
no cereal das plantações, no lodo dos rios
e nos pés descalços dos pobres, dos índios.
27/10/2007