INSATISFAÇÃO
Havia em mim uma estranha nudez,
nudez plena que ia além da ausência de roupas.
Era nudez interna, nudez de alma...
.
Eu era todo desejos, todo anseios.
Era necessidade, avidez.
Estava exatamente assim
quando elas me chegaram.
Chegaram em bandos
em grande alvoroço,
acenando,
prometendo,
enfeitiçando.
Então, uma após a outra
fui abraçando,
me entregando,
me deixando levar,
conquistar
e nos seus íntimos penetrando
a medida em que me ofereciam
seus prazeres desmedidos
e seus gozos...
Assim, por muito tempo, fui.
Fui embriagado,
e ante tanta volúpia .
enfeitiçado...
Fui alternando as parceiras
de acordo com os meus graus de insatisfações
e tive todas,
todas as que se ofereceram...
Foram dias de sonhos...
Foram noites insones
e de longas orgias,
noites de cansaços e desencantos
pois, voluptuosamente,
desnudando cada uma delas,
e penetrando em seus íntimos
(nos seus âmagos),
não lhes pude ver as almas.
Se almas havia
estavam escondidas,
estavam manchadas,
não eram luz.
Hoje, após muitos verões,
já não tão nu
mas coberto de andrajos,
insatisfeito
bem mais que no começo,
e com uma imensa fome
a me corroer as entranhas,
ainda vou, dia após dia,
a procura do prazer pleno,
buscando-o em todas,
querendo encontrá-lo em todas,
novas ou antigas,
não importa.
Vou, assim,
errante e sem descanso.
Vou, pois é preciso
já que me falta
saciar a alma
no supremo orgasmo
de uma filosofia sã
que me preencha de paz
e de certezas...
Agora há em mim
uma quase nudez
pois estou coberto de andrajos...
Belém, 23 de dezembro de 1980