EU PEGO ESPÍRITO

"- Eu pego espírito.

- Mas, como assim? Você é médium? Você baixa santo?

- Nem sempre. Baixo santo, animal, gente, flor, vento, estrela... depende de que espírito me pega."

Cara, eu pego espírito.

Eu descubro uma música e pego espírito; o espírito da música. Por dois minutos e trinta e seis segundos eu não sou eu, sou o espírito da coisa. Quando li Fernando Pessoa pela primeira vez eu fui possuído, e depois disso foram muitos espíritos, Pessoa! Quando eu quero algum espírito do Pessoa eu já até sei escolher e vou "lá" pegar, nas palavras...

Eu pego o espírito de Raul emprestado, irreverente! Eu pego o diploma de sofrer de Belchior, de um desespero que eu nem sofri, mas eu pego o espírito. Me sinto na década de 70 por uns instantes até perceber que existe wi-fi.

Pego o espírito das pessoas pela rua, dessas o espírito escapa no olhar, eu pego; quando vejo carreguei o espírito num espaço considerável de passos meus.

Pego o espírito das flores, largo o meu.

Pego o espírito dos passarinhos, largo o meu.

Pego o espírito do luar, largo o meu.

Pego o espírito do amigo e largo o meu.

Afinal, tenho muitas almas!

Mas, gente, só pego emprestado.

Depois largo eles, e, recolho, do sono, o meu.