SEMENTES DA AMÉRICA

SEMENTES DA AMÉRICA

Nos campos e montanhas ouço ecos,

Relatando fatos que a historia não registra;

Do norte ao sul ecoam memórias imortais,

Coroados de sangue e conquista.

Eu vejo tudo, pois sou a luz da América,

Sou a semente que o vento leva longe;

Sou o herói de tantas guerras despertadas,

Pelo medo medieval que em mim se esconde.

Sou restos de vida e poeira,

Andejante no inóspito Atacama;

No Titicaca sou o espelho a refletir,

A vaidosa lua, inviolável e cigana.

Sou a espinha dorsal de ti América,

De Punta Arenas até o norte do Alasca;

Fui o sangue derramado em muitas guerras,

Do Chaco Boreal ao Athabasca.

Eu fui o sangue de heróis anônimos,

Que defenderam este chão sagrado;

De Zapata, Bento e Che Guevara,

Eu fui o riso de um tempo encantado.

Eu fui dragão a proteger Antilhas,

Lugar sagrado onde o sol nunca se põem;

Fui pomo de ouro a coroar as ilhas,

Virgens donzelas que o tempo impõem

No gigantesco atlântico sou as ondas,

Que te beijam pátria amada toda hora;

Restos de pergaminhos que falam de índios,

De sacis, mboi tatás e caiporas.

Sou o rio são Francisco a te verdejar,

Não tenho tempo e nem hora pra chegar;

De longe trago e te oferto minhas memórias,

Milhões de historias eu consigo te contar.

Sou a esperança semeada pelo lavrador,

De Baffim ou Labrador onde a caverna;

É o abrigo natural do urso branco,

Que na longa noite glacial hiberna.

Nos confins da Groenlândia sou o sol,

Da meia noite que em teu seio arde;

Na secessão fui a luz dos teus caminhos,

Tua prisão e também tua liberdade.

Na terra do fogo simplesmente sou a neve,

E na miséria deste povo a semente;

Progresso de um conto de fadas,

Envolvendo a alma desta gente.

Dos Andes sou o condor simplesmente,

Levitando na verdejante Amazônia;

Sou a magia das noites polares,

Labirintos da Patagônia.

Nas geadas das campinas sou o vento,

Minuano cantando nos pampas;

Beijando as escarpas e faxinais,

Deste rincão envolvente que encanta.

Das florestas sou arvores e cipós,

Protegendo os animais e suas trilhas;

Sou o sol moreno beijando o pacifico,

Sou a pororoca e suas armadilhas.

Sou poemas e canções sem ter fronteiras,

Galgando as rochas das montanhas;

No fim do arco íris o brilhante,

Negro ouro oriundo de tuas entranhas.

Nas madrugadas a te beijar sou o orvalho,

Nas manhãs frias o trotear da lhama;

Sou a cinza do Aconcágua, eu sou vulcão,

Meu coração és tu América, minha chama.

E neste tudo onde nada sou no universo,

Sou o alimento e inspiração deste meu povo;

Minha pequenez é gigantesca, sou eterno

E num segundo morro pra nascer de novo.

*J.L.BORGES

1991