doma

o instinto domado

sou agora teu criado

talvez até mais educado

que muitos da tua espécie

espécie, nem bem a tenho

grandes, médios, pequenos

negro, marrom, pintalgado

liso, lanudo, tigrado

somos todos frutos de cruzas

que fazes pra teus cuidados

ainda assim sou teu amigo fiel

reneguei a origem selvagem

já vai longe a matilha à caça

hoje só sobrevivo

se me pões no pote a ração

sou teu servo, escravo, sou cão

e tantas vezes nem vês

por que me chamas companheiro

pois a índole animal

faz-me um ser tão leal

e tão devoto ao seu amo

tal não tens entre os teus

em teu lar enclausurado

privas-me da fera ao luar

numa prova à fera que és

que é possível um instante ser fera

e noutro, humano, amansar

Publicado no livro "poesia de segunda" (2011).