bugios urbanos
a cidade dorme, em silêncio
altas horas da noite
de uma semana qualquer de trabalho
e a insônia teima ser companhia
os sons noturnos da cidade
são ainda os ruídos de calma província
o ronco do motor muito ao longe
o cão ladrando para o eco
a percussão do bambu do mensageiro dos ventos
e muito, muito além
aquele fantasmal apito do trem
que parece só existir nas profundezas da noite
mas então começo a perceber
vindo lá das matas, ainda longe da cidade
o ronco selvagem do bando de bugios
com certeza vêm atraídos pela minha insônia
invadem e atravessam as ruas aos gritos
dependurando-se pelos postes e cabos e antenas
afrontando o negrume do cimento e do asfalto
com os tresloucados e roucos berros
que crescem, assombram
e depois desaparecem
já se foram de volta ao sertão
e então os latidos ao eco do cão
devolvem-me um laivo de razão
Publicado no livro "poemas em tempos de penas" (2016).