Uma volta pela trilha
mais uma corrida pela trilha
maravilha que trago comigo em vida
um percurso ritmado e justo
entre um arbusto e a estrada comprida
e as pessoas estão lá obedecidas
ora gordas ora magras ou compridas
cruzo primeiro com o diapasão
que me cumprimenta estridente
vibrante e operante com um báuumm
que estremece o meu tímido compasso
passa por mim como um abraço
e deixa um rasto doce de pudim
passo agora pela curva apertada
quase esbarro numa coruja cismada
que me olha de uma estaca junto a mim
vejo ao longe o vulto da lambisgoia
estilosa e ondulante como uma cobra
que arrasta o marido quase à guia
um pequeno cachorrinho de olhar azul
sereno e obediente como um poodle
passa e ultrapassa o companheiro
parece às vezes pedir-lhe dinheiro
confesso que tenho medo de gente assim
se não fosse o Antônio das Mortes
ter aparecido no meio da bruma
e ter-me dado a extrema unção
gesto da sua mão expugnando o pecado
como um bispo sinistro da inquisição
estaria mais ofegante e petrificado
estou agora perto da meia-volta
não fosse um cavalo que vem direito a mim
por vezes sou cego quando olho para o nada
e esqueço de prever aquela estrada
onde me encanto ao ver coisas assim
já na volta encontro uma cobra
obra brilhante de Deus em tons de coral
quero que ela nunca me faça mal
são do vento as minhas passadas de brisa
entro no meu avião e dou a partida
quero tudo menos perder a minha vida
sou apenas um corredor só e mortal
já consigo ver a linha de chegada
ainda ao longe distante e escurecida
passam bicicletas ruidosas e bregas
um rádio e uma música sem melodia
um cachorrinho quer atrapalhar os meus passos
são horas de acelerar e voar em direção à meta
a noite é já uma certeza certa
e amanhã será apenas mais um dia