AS FALAS DUM LIVRO
“Numa ida a uma livraria”
Eu bato à porta dum livro
E de lá alguém me diz:
- Para ti é que eu sirvo
E quero fazer-te feliz!
De quem és, ó livro perdido
Nesta estante em que dormes?
- Eu ando muito desiludido
E sinto saudades enormes.
Diz-me lá quem te escreveu
E o que esperas da vida?
- O meu autor a vida perdeu
E a memória está esquecida.
Quantas mãos te afagaram,
Quem de ti se apaixonou?
- Eu senti que me folhearam
Mas quem o fez não voltou.
Afinal, tu és prosa ou verso,
Às vezes não te entendo?
- Pois é, andas muito disperso
Descuras as letras, estou vendo…
Queria levar-te, mas és caro
Garantes que és divertido?
- O meu assunto é bem raro
Volta para mim teu sentido.
Diz-me, ó livro, de que tratas?
- Trato de palavras perdidas,
De paixões e concordatas,
E até histórias divertidas!
Que personagens, tens por aí,
Por essas folhas sem fim?
- É gente que eu nem conheci
Mas fazem parte de mim.
Que problemas tens tu,
Que ninguém te liga nenhuma?
- São coisas de um mundo cru,
Anda bera e ninguém o arruma.
Ah, já estou mesmo a adivinhar
São estes políticos da moda…
- Como é que foste lá parar?
Pelos vistos sabes da poda…
Sabes porque é qu´ adivinhei?
Vendo-te aí contraído
Logo cá para mim pensei:
Eu, a ler-te, é tempo perdido…
- Com que então, tu vais-te embora
Sem ao menos me espreitares?
- Eles, pelo que se vê agora,
Gostam sempre de bons ares!
- Isso bem eu sei, palavras ocas
Mas, de ideias nada se vê,
Trafulhices, verdades poucas,
Por isso mesmo ninguém me lê!
Coitado de ti, meu amigo,
Para que sintas algum consolo
Vou-te levar, pois, comigo
Pra que não digas que sou tolo.
- Ainda bem qu´ alguém m´ entende
O que é preciso é paciência…
Sabes, a sabedoria não se vende,
Ela resulta da inteligência!
Foi esta a ocasional visita
Que eu fiz a uma livraria
Quem desconhece não acredita
Que isto é mesmo bizarria!
Frassino Machado
In AS MINHAS ANDANÇAS