INSONDÁVEL MEDO
Revoguem todos os sentidos!
Meu medo,
Já bem cego de medo,
Desce a rua
E dobra a esquina
Sem olhar de lado.
Meu medo é esse:
Algo vedado que tudo vê
Sem enxergar mais nada.
Ah,
Podem gritar porque
Meu medo também ensurdeceu.
Surdo está a todos os gemidos
Do palco desvalido,
Aos graves e aflitos...
Aos altos e agudos,
Aos suaves absurdos.
Surdo e abjeto
Segue em ato reflexo,
Pelas pirambeiras dos becos.
Quantos escuros de luz
Sem acuidade sensorial
Alheio às cacofonias do mundo.
Parem com isso!
Tantos mísseis em salvas
Lesam tímpanos e almas.
Anosmia: eis a ti o meu medo.
E sem máscaras oxigenantes
Sigo viva mas mutante.
Liberem todos os saberes
Dos podres odores dos poderes!
Mundo fétido que já não o sinto!
Todas as cacosmias me inundam
E me matam
Nessa anestesia de discernir
E de fugir em tempo de!
Tempo do quê?
E fugir para onde?
Mesmo assim
Fugimos, dois medrosos
Eu e o meu medo
Ambos atordoados
De nós.
Nos observem:
Fugimos e seguimos
E aplaudimos...
O coma que nos paralisa
E nos salva.
E nos zomba.
Cheiro do que inda pressinto
Mortos são meras ruínas
Do tudo que já não sinto.
Na metafísica do sentir
Todos são vãos prisioneiros
Versos todos passageiros.
Versos brancos e vazios
Todos plenos e arredios
Ao reverso do poema insano.
Medo é o mundo,
De vis planos.
Universo de concreto
Soerguido só com versos.
Em meio a tudo,
Meu medo dobra esquina dos sustos
E não fala mais com estranhos.
Só seguimos qual rebanho.
Agnóstico destino
Portanto,
Medo a se embargar de si a si
Na precavida agnosia de
Não mais reconhecer o sentido
Do nada de tudo do todo.
Deve ser medo precavido?
Quiçá.
Mera asserção propositiva
Em verso covarde que corre
Para suportar
O tudo que morre...
Nem sempre em vida.
Morte de medo vivo
Imortal morte
Sempre Insondável
No incognoscível terreno
Em que nada muda.
Mas medrosamente
Nos transmuta.
Revoguem todos os sentidos!
Mais um míssel nos aguarda.
Deixem uma flor na janela.