POESIA EM FÉRETRO
E de repente,
Como quem nada mais tinha a perder
Eis que me dei conta da conta onerosa:
A de que se ia meu tempo.
Precioso tesouro inconsciente
Abstrato e relativo
Do tudo que nunca existiu.
Senti, em verso arredio,
Que passado e futuro
Ali se tocavam em laços tênues
Em frouxos nós
Dos tantos presentes intangíveis.
Com as mãos cansadas, fissuradas,
Abri um palmo da terra de ninguém
Arranquei pedras,
Sorri...
E ali o coloquei (meu tempo)
Pálido e assustado
Ainda correndo, sempre!
Em coleção de segundos
Da acreditada existência.
Fiz um verso a elas:
“Como crianças que nada entendem
... mas que sempre urgem por passar”..
Joguei-me as invisíveis flores do campo,
Grandiosas margaridas,
Viçosas rosas do ontem,
Lírios dos campos (em obediência)
Os que tanto os olhei e
Procurei...
Pelos quais nada vi.
Avistei pétalas oxidadas
Semi-coloridas , tão belas...
E as joguei por sobre tudo
Para enfeitar (e endeusar)
O que não chegou
Mas passou.
Tudo em sonoro mutismo...como se
Para gritar o silêncio
Do que só pareceu ter sido.
Ouvi a dobrada do último sino
Suave mas sarcástico, eu sei,
Zombaria às ilusões dos sentidos.
Ele sempre o mesmo ,
Música às cordas só do seu tempo!
A se gargalhar de toda passagem
ilusória.
Então rezei...a mim,
Na fé automática
Que um dia me ensinaram a recorrer,
Aquela,
Que remove as montanhas de vida.
Encomendei o corpo
Do todo,
Idas, voltas, revoltas
Permanências e ausências
Todas insondáveis,
Inexistências patéticas.
Tentei mais um verso:
Não deu tempo,
Nem sentido.
Joguei fora minha agenda plena.
Então segui algo leve, livre enfim
Sem moldes definidos
Sem carta rogatória
Sem cartografia na bagagem única
Sem saber para aonde,
Nem donde!
Sem laços nem traços
Sem compromissos...
Apenas cinzas ao vento
A se tornar brisa
De algo que ninguém viu.