Inocêncio
Há um consenso, Inocêncio
Onde todos que aqui estão são fadados a sempre estar.
Cada passo, cada dança, cada rodopio.
Não vê, Inocêncio?
Seu nome serve apenas como escape cômico.
Das palmas que ecoam nesse manicômio,
Dos sorrisos que aparecem nos azulejos,
Dos sujeitos enfileirados pingando aqui como goteira,
Nessa caça infindável onde somos rato e ratoeira,
Porque, justamente você, seria especial?
Esta é a vida, Inocêncio.
Ou pelo menos é o que nos ensinaram.
Houve palestras, de nós para nós.
Tentativa de aparar as arestas e desatar os nós.
Mas Inocêncio, devo lhe alertar:
Nada será aparado ou desatado.
É confuso, eu sei - mas há algo que você não sabe.
Nosso objetivo é perpetuar um ciclo que não vemos.
Sabemos que nele estamos pois nele vivemos.
Abraçamos e amamos um presente que não pedimos e não queremos.
Não há boca para gritar, então nem tente.
Pois a frustração é inimiga do conveniente
E, consequentemente, de todos nós.
Veja só, Inocêncio.
Você representa algo.
Apenas um fragmento, claro, pois aqui nada é profundo
Apenas nossas cicatrizes e desdém por este mundo.
Você carrega no nome um elixir; uma substância.
Que desperta a sede de todos neste vale de esquecidos.
É por isso que todos te olham esquisito,
Pois querem provar do que perderam quando chegaram aqui.
Mas não se preocupe, Inocêncio.
Não crie expectativas.
Eu, por exemplo, estou te abandonando.
Sou apenas um guia; um Caronte.
O abismo já está me chamando.
Você ficará sozinho com todos estes dementes
Que se perguntam se seu nome é o que parece ser.
Esta é a primeira regra, inocêncio
Ninguém aqui se importa com você.