Parede rasgada
Certa vez
todos da aldeia se apavoraram
com os boatos da invasão
de máquinas e tratores,
que segundo comentavam,
invadiriam a alma dos moradores
daquela pacata cercania.
O desrespeito prometido
assombrava o sonho do povoado,
que se deixou cair em profunda tristeza
fazendo chover nos arredores por quarenta dias,
que mais se pareciam noite!
O sol se recolhera de luto
e dera espaço a um eclipse completo.
Olhares perdidos eram trocados ingenuamente
nas duas ruas mudas do lugarejo
exalando a estranheza e o medo
de um desconhecido cada vez mais próximo.
Nem a procissão das almas deu jeito;
dois dias depois do milésimo quinto terço rezado
eis que chegou a horda.
Devia ser sete e pouco da manhã
segundo relatos do Antônio da esquina,
que se estranhara inúmeras vezes com o emudecer do galo.
De súbito, a terra fora raspada;
ruas e escadas foram destruídas.
Olhares estáticos e ainda apavorados
seguiram de longe o comboio.
Em segundos, ficou apenas a devastação.
Um vazio rasgou a memória daqueles telespectadores
que choravam sem lágrimas
ao ver que ninguém ficara para fazer curativos
nas inúmeras lesões deixadas por ali.
As máquinas se foram
e deixaram uma angústia sem lugar
estampada na porta de cada casebre.
Há quem diga que cavaleiros do apocalipse
passaram junto naquele momento
levando a sanidade de alguns moradores locais.
Outros optaram apenas
por esperar o próximo dia raiar do sol
para reconstruir o que a vida levara de súbito.