Dom Quixote
Dom Quixote
Há muito tempo,
numa planície parda,
um poeta louco
assentou arraiais.
E escreveu um conto
de um cavaleiro velho,
tão senil como ele,
lutando por justiça e bem.
Esse cavaleiro viajante
De espaços longos,
No horizonte variado,
Alucinado, sem cura,
Montado em pilecas,
Sofrendo derrotas,
E feridas sangrentas!
Que te mantêm obstinado,
Cavaleiro da desgraça?
Que tentativas imaginas mais
E te suporta a cavalgada louca?
Que triste sonho persegues
Persistente e maldito?
Ah! Dulcineia!
– linda plebeia -
Vendedora em feiras
desertas e usurárias
De amor e ternura.
Nunca a conheceste,
jamais lhe tocastes,
nunca a face beijaste,
nem o seu corpo esbelto,
Como pode ela possuir
O teu coração desvalido?
Dedicas-lhe vitórias
De que és parco.
Sonegas aconchego
Aos teus achaques
Em lençóis de cetim.
Paciente Dulcineia…
E mais outro poeta canta,
Nos mesmos sujos campos,
a tua azarada canção.
Escreve os azares,
As desgraças,
As derrotas...
Esfarrapa papéis,
Em novelas de amor:
que tu sentes por ela,
teu coração, sua posse.
Rabisca poemas
Inacabados e loucos
Que ninguém lê,
Nem ela, infeliz,
Desta demência,
Ou desdenha.
Morre cavaleiro!
Teus sonhos são breu,
Pesadelos e terror,
Fugas e novelas.
Moinhos selvagens,
Árvores sedentas,
Terras mareadas,
Engolindo vorazes....
Num acto de amor
pateticamente sublime,
Morre poeta louco...
Morre… longe e bem só…