O ESPETÁCULO DO DRAGÃO

(I)

Já estão todos ai

Todos que deviam vir

O espetáculo vai começar

E vai estar longe do fim

(II)

Acordem!

Já é dia claro

Acordem

Não agradeçam por não terem sido abortados

Acordem

Antes que seja tarde demais

E não consiga mais respirar

A masmorra é deprimente

O sol não entra lá há tempos

Os presos já não tem dente

A morte vem alada como o vento

As celas são de ouro maciço

Os presos tem televisão

E dentro da cela tem um penico

Para brincarem de soldados só de diversão

Há uma serpente de bronze no pátio

Os presos dançam sob o ritmo do chocalho de sua cauda

Sua escama é úmida como o sereno da madrugada

E sua língua é fatal como uma navalha

Veneramos o sol

Veneramos a cruz

Veneramos o sal

Veneramos a luz

Veneramos a escuridão

(III)

Era uma vez

Eu não tinha o que fazer

Inventei uma brincadeira

Era legal e durava a noite inteira

Fiquei meio demente com o tempo

Até esqueci meu nome

Nada me satisfazia de alimento

Só queria curtir aquele momento

Essa brincadeira é divertida

Começa de noite e termina de dia

É tão legal só de querer

Não há nada a perder

É tão boa a sensação

Até que vira uma ereção

Essa brincadeira

Não pode parar

Não é besteira

É só uma sensação

Que da vontade de botar tudo pra quebrar...

(IV)

Cachorros crucificados

Na beira da estrada

Agonizam enquanto passam os carros

Seu latido se torna um frio gemido

De dor e sofrimento

Seus corpos e seus ossos apodrecendo

Deixam perante nossos olhos

O ódio e o medo

O corpo da cadela no cio

Estragando seu couro sob o sol escaldante

Sua barriga cheia de esperma canino

Pobre cadela, perdeu o direito de ter descendentes

Numa bela manhã cinzenta

Os cachorros foram passear

Alguns se morreram atravessando a sinaleira

Outros talvez vão voltar

Outros ficaram por medo

E a cadela no cio morreu

Seu corpo ainda lá

Agora já apodreceu

Perdoem os cachorros

Eles não pensam

Eles deixam no chão o que o dono

Tem na sua cabeça de vento

(V)

Aqui na floresta enfeitiçada

Não tem nada na entrada

Não tem duendes nem fada

Aqui não tem pra onde ir

Nada mais resta fazer senão fugir

Aqui perto tem um rio

Hoje a lua cheia brilhar a meio fio

Tão triste e depressiva

Em cima da colina vejo surgir uma neblina

E eu só quero fugir

Fui para a estrada cheia de alcatrão

Tudo lá como na vida vem na contramão

Estava tão perdido sem saber para onde ir

Só sabia que queria fugir

Soube que o papa foi baleado

Seu corpo caiu mutilado no asfalto

Agora em que vamos acreditar

Se até fizeram o enviado divino sangrar

Sei que vou ser linchado na descida do morro

Não vai adiantar pedir socorro

Já que a filha bastarda do sacerdote

Quer casar e eu não quero pagar seu dote

Ela vai fazer um pacto

Cavalgar educadamente na serpente

Enquanto se dirige ao monte calvário

Para poder ter sadios descendentes

Os elementos estão unidos

Fogo que nos queima por fora

A terra que pisamos sozinhos

Água que nos afoga

E o ar que respiramos deprimidos

Lua cheia do outono

Ainda não estou pronto

Então deixe arder o fogo

Quando chegar a hora eu quero estar pronto

Quero estar pronto sob a pálida lua

Que vai me queimar vivo ou morto

Apenas quero estar pronto!

Pois eu sou o começo e o fim

Tudo que aconteceu tem um por que

Eu estive envolvido na criação do mundo

Eu sou o imperador dragão

E transformo tudo em ilusão!

(VI)

Sim, eu sou o Imperador dragão

Eu transformo tudo em ilusão

Faço os céus ficarem vermelhos

E faço a terra arder num fogo inextinguível

Faço a felicidade e as risadas

Virarem a tristeza e amargura

Faço Deus chorar

Enquanto todos acreditam ser uma chuva

Sob o céu enevoado

Surge um sol cósmico

Sob nossas cabeças selvagens

E nossos pensamentos cômicos e trágicos

Vamos achar graça numa chacina

Vamos incitar as crianças a brincar de armas

Para no futuro quando estivermos chegando em casa

Sermos de pegos de surpresa por uma bala

Vamos rabiscar monumentos históricos

E recomeçar tudo de novo

Vamos mijar na cúpula do Vaticano

Vamos errar,porque somos humanos

Vamos arrebentar com marretas o muro das lamentações

Pra que viver uma vida trancafiado em meras ilusões

Vamos até a sagrada mesquita

Vamos dizimar com os comunistas

Com os capitalistas

E dizer “Seja anarquista”

A humanidade está perdida

Conselhos não são escutados

O caos e a anarquia estão no ar

Somos crianças perdidas num mundo cruel

Onde não há recompensas por vermos o sol nascer no céu

Onde é o Éden?

Senão na cabeça de um sonhador

Que passou a vida catando respostas

Numa colônia de crianças mortas

Há quem diga que Deus é o maior assassino de todos

Numa guerra contra um ser sobrenatural

Ele leva nossa vidas para a cova

Não existe mais paraíso

O homem se voltou contra o criador

Matou-o, arrancou-o de seus corações sanguinários...

(VII)

Vim de longe

Vim do nada

Vim da noite

Vou para a longa estrada

Que me espera ali na frente

Uma estrada mágica

Onde o sol reflete a meia noite

Causando ilusão caustica

Dando medo e fome

A quem passa por ali

Calotas polares na America Central

Já derreteram há milênios

O sol agora se tornou algo natural

Cerebral

Como a America se tornou um monstro

Parece ter sido criado por um cientista retardado

Numa noite de tempestade em um moinho abandonado

Somos todos monstros

Tentamos ser santos

Mas nos tornamos um nada

Que desaparece como a poeira no ar

Mauricio Rocha
Enviado por Mauricio Rocha em 14/04/2016
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