sem título
A TRANSLUCIDEZ dessa água
Que umedece meu cabelo
No frio dessa manhã opaca,
Faz-me pensar em tudo o que é natural,
Brilha e é cortante.
Cortante é essa água gelada em minha cara.
E o golpe martirizante
Da lâmina da lembrança tosca e abrupta
Que me vem como um espectro mais-que-real.
Bicas de suor.
Jatos de seiva masculina.
Cachoeiras da desembocadura da fêmea.
Oceanos de sangue. Do nosso sangue:
Este sangue que é a essência
De nossa totalidade em estado de ingratidão e espera.
Somos filhos ingratos da água.
E cada gota da tua lágrima
Retém a história.
Traz em si a arquitetura somática.
Carrega a escultura do átomo –
Que é arte (pura arte).
Da molécula que entrega-nos essa carne crua e aquosa,
Atômica, e infinitamente bela.
Ah! Beleza que massacra e avassala.
Aspereza no mais doce estado de conforto.
Desassossego velado na maciez.
O Globo Repórter tem razão.
O Greenpeace tem razão.
E Jacques Cousteau tinha razão.