Mau tempo
Hoje, ao amanhecer
notei que o antigo relógio
da sala havia derretido.
Os números escorriam pela parede
deixando marcas grotescas nela.
Os ponteiros maiores caiam
e se enfiavam nos vãos
do gasto assoalho como
se fossem espadas.
O ponteiro menor agonizava
retorcido junto aos pés
do velho sofá.
O badalo endoidecido
rodopiava pela sala
emitindo sons ensurdecedores.
Algo dentro de mim, naquele instante,
começou a desmoronar-se
Corri para a janela.
Abri as cortinas desbotadas.
Precisava sentir o ar da manhã.
Nada aconteceu!
Fui para o banheiro, cambaleante.
Vomitei no encardido bidê.
Quando procurei pelo espelho
não me vi.
Quando me apalpei
não me senti.
Quando decidi gritar por socorro
enlouqueci
Quando quis reagir
me derreti
E então...
Manchas vermelhas
escorreram pelo velho assoalho.
Ossos cairam como espadas
e se retorceram aos pés do sofá.
E um grito ensurdecedor
explodiu violentamente de dentro
do que restou de mim.