FELICIDADE, POESIA & SAUDADE (A SAGA DE UM SONHADOR)

O PAI:

Estou decidido, vou embora agora.

É inadmissível toda essa impunidade que nos assola

Esta falta de razão e o desrespeito com toda uma nação

Um mundo insano, pulsando maldades, inverdades...

Se preciso for, todo meu dinheiro gastarei

E até aos confins da terra irei, procurando a felicidade.

A MÃE:

De que adiantará? A vida é assim!

E no fim, nenhuma verdade humana será perfeita

A felicidade está em tudo que há de bom...

Sem o mal que a gente facilmente aceita.

O PAI:

Ah, minha querida, eu imagino o que seja.

Assistir o por do Sol, interagir com a natureza,

O ar que respiramos, contemplar o céu, saborear o mel,

Ver um filho nascer, sonhar, fazer planos, envelhecer,

Estar com aqueles que amamos... Não é isso?

Pois eu bem sei que o Universo é mágico, fantástico...

Mas fomos nós mesmos que espalhamos o medo

Somos nós que desvendamos uns e escondemos outros segredos

Geralmente segredos obscuros, atos covardes, estúpidos.

Roubos, genocídios, torturas, assassinatos, carnificina humana...

Meios abomináveis para adquirir fortuna e fama.

A MÃE:

Eu admito que tudo isso é verdade

Porém, como a de muitos outros, a nossa história é diferente.

Há honestidade, dignidade, altruísmo, humildade...

Não há se quer egoísmo, há lirismo entre a gente.

O PAI:

Eu sei que existe tudo isso, mas ser realmente feliz

Não é apenas viver contente e sentir alegrias

Eu quero mesmo é a felicidade plena

E para isso dedicarei todos os meus dias

A procurar um lugar onde nada se condena.

O FILHO:

Será que eu poderia ir com o senhor?

Já sei entender que muita gente vive a mercê

De pessoas não raramente covardes, mentirosas...

E que não é apenas poesia dizer que a cada dia

A agudeza dos espinhos é cada vez mais percebida

Que a delicadeza das rosas.

A MÃE:

Oh, não! Não é possível!

O que dizes tu, menino, com tamanha pujança?

Ainda não conheces tais artimanhas descabidas

Tu és meramente uma criança

Como ousas dizer que já tens uma vida perdida?

O FILHO:

Perdoe-me, não tenho experiência verdadeiramente

E não sei qual é a verdade realmente

Porém, sei ler e leio muito bem as revistas e os jornais

Ouço rádio, assisto televisão também

E há em ambos, terríveis notícias, todas tão iguais...

Alguns amigos meus da escola já me contaram suas terríveis histórias

Uns não têm pais, outros tendo ou não pedem esmolas,

Muitos outros têm pais inconsequentes.

Será que nem as crianças são mais inocentes?

Há muitas delas roubando e outras até matando,

Muitas outras nas guerras e cada vez mais delas nas ruas.

Despudoradamente nuas, drogadas, sujas, dependentes...

Não são mais inocentes?

A MÃE:

Mais que inferno!

O que será que está acontecendo meu Deus?

Há alguém que possa ficar do meu lado?

Alguém, alguém... Ninguém?

Pois eu me recuso a crer nisto

Enquanto eu viver não desisto.

Eu compreendo que para a maioria da população mundial

Há um quinhão desigual e que o amor por seu torrão

Nunca foi merecidamente cabal

Ou foi deixando de ser dia após dia.

Mas viver é uma dádiva

Mesmo que a verdadeira felicidade não se veja

E que talvez seja apenas utopia...

O PAI:

Estou decidido, meu amor, eu irei

E não me importarei se lá for inverno ou primavera

Em vão não morrerei se puder voltar e ratificar

Que a felicidade é de verdade e não apenas quimera.

A AVÓ (MATERNA):

Se nesta sua solitária reide tu encontrares esse lugar

Em um tempo que eu ainda possa me encontrar

Deitada e lúcida aqui em minha rede

Basta avisar-me e logo lá estarei

Para terminar os dias que para tentar ser e fazer

Os outros felizes sempre dediquei.

A MÃE:

Que novidade é esta agora mamãe? Estas dadas ao pessimismo?

Já passastes por “tudo” nesta vida

Queres então se isolar, como quem pratica egoísmo?

A AVÓ (MATERNA):

Tudo o que já passei não é nada

Não acredito mais em felicidade na terra. Por quê?

Ouça o barulho, os rumores das guerras

Veja todas estas maldades até mesmo contra idosos e crianças

Quem pode mencionar uma única cidade

Onde exista somente amor, fé, paz e esperança?

Eu nunca soube, nunca ouvi a verdade, nem vi ou senti

Nunca toquei nada parecido com a felicidade

A não ser a simplicidade da alegria

Que não é nem metade do que a felicidade seria.

A MÃE:

Oh! Meu Deus, meu Deus do céu!

Será que todos desistirão?

Irão retroceder antes mesmo do fim que nos é prometido?

Será que já estão todos persuadidos,

Influenciados pelo corrupto mal?

Será que ser um refratário é cair numa insídia mortal?

Será?

O TEMPO:

Passam-se dias, semanas, meses...

A CARTA:

Estou voltando para minha família, estou voltando

Quantos horrores eu vi, quantas dores eu senti, estou voltando

Chamem todos os parentes, todos os amigos, todos os conhecidos

E contem comigo, estou voltando, estou voltando.

Hoje, ao despertar pela manhã, lembrei-me de vocês...

E rememorei toda a minha vida...

Lembrei-me da infância, e, as perguntas que as crianças não sabem como fazer

E as repostas que não conseguem compreender;

Lembrei-me da adolescência, e, a distância entre a tolerância e a intolerância

Tão difícil de vencer;

Lembrei-me de juventude, e, o pleonasmo em suas atitudes e no jeito de viver;

Lembrei-me da idade adulta, que não nos da certeza absoluta da verdade

Nem a plenitude da maturidade...

Em fim, consigo compreender agora

Que muitas coisas se passaram, tantas estão passando e muitas ainda passarão.

De certo, só a saudade de muitos que comigo ficaram

Tantas que eu deixei e outras que de mim levaram.

Ah! A saudade.

Saudade é palavra exclusiva do meu país

Sinto saudade do que eu nunca tive de verdade, a felicidade

Sinto saudade de ser feliz.