WANDA MAIA MORREU!
Wanda Maia morreu!
Como um terremoto, a notícia varreu as mesas dos bares
e invadiu os mil lares da pequena aldeia.
Como Wanda morreu?
Justo ela, que é
a nossa imortal?
Morreu.
E de morte igual a tantas outras por aí.
Silenciosa morte, arquejante, funérea.
E logo os bêbados fizeram uma reunião.
Como fariam?
Cruzariam a madrugada velando o corpo
da imortal da aldeia?
O pároco disse que rezaria
pela alma de Wanda,apesar de ela não merecer.
Um pastor disse ô glória!
Lá vai para o buraco uma constestadora feroz...
Os espíritas ficaram aliviados:
uma a menos para atazanar a tal espiritualidade kardecista!
Os loucos se acalmaram de repente
e foram ao local
onde o corpo frio e sem vida
enfei(t)ava uma mesa.
Alguns cantavam, em latim claudicante,
antigos hinos pré-Vaticano Segundo.
A noite se alongou e os morcegos dançavam
enfeitando o céu de junho.
Uns diziam: morreu a vagabunda!
Outros: morreu a alma vaga!
As velhas que haviam despido o corpo
da defunta ali deitada comentaram
que a bunda de Wanda Maia era seca
e seus peitos pequenos e murchos,
por isso homem algum se interessara
por ela, a solteirona, a louca.
Seria lésbica? Alguém cogitou.
Um homem desconhecido entrou no recinto
e todos os olhos se voltaram para ele:
quem seria? de onde vem? o que ele quer?
Em passos firmes, o homem estranho
se aproximou do cadáver risonho e seco
de nossa imortal
da academia de letras da aldeia,
Wanda Maia, primeira e única.
E com um gesto solene, de mão direita
erguida e mão esquerda sobre
a fronte da falecida, gritou:
levanta e me serve um copo de água!
Para o horror dos inimigos e júbilo dos bêbados,
Wanda Maia se levantou
e foi até a cozinha
e, em um copo de plástico, trouxe
água para o estranho.
Todos voltaram para as suas casas,
decepcionados alguns,
alegres outros,
mas comentando, debatendo,
discutindo
sobre a tal ressurreição.
O estranho, assim como surgiu,
partiu
e Wanda vestiu sua camisola cor de vinho
para dormir
o sono dos justos.