O ESPANTALHO
Na ampulheta,
Onde situações adversas
Toureiam e duelam
Engolem, retorcem e quebram
Os ossos frágeis da dúvida.
Montes de areia movem-se,
Soterrando o nada
Onde está aprisionado
O espantalho reencarnado,
A cada nascimento, ressuscitado
Nos corpos iguais,
O mesmo corpo pútrido, gasto
Na mesma alma fétida
Os grãos, como serras
Rasgam a carne impura
E o sangue jorra, azul,
Pela boca, como baba de louco
Borbulhante como um champagne
Tenta ainda ver o que se passa
- Tudo passa, tudo é superado -
Mas os olhos só vislumbram o vazio
E tremem, revirando-se
E arregalados, derrubam uma lágrima
Como que suplicando:
- Pare com tanta dor!
O homem que segura a ampulheta
Ri com escárnio do berreiro
E repentinamente para o movimento frenético
O espantalho então,
Cessa o enorme clamor.
Tenta levantar-se, deixa escapar um gemido
E com as mãos juntas, como que em reza
Grudadas de sangue e areia, pede piedade!
A ampulheta se mantém suspensa no ar,
Imóvel, nas mãos do criador
Este pousa seus olhos doces sobre o espantalho
Balança a cabeça como quem diz
- Que pena...
O espantalho sorri e gargalha enlouquecido,
Seus olhos brilham em felicidade plena
E numa contração desesperada
Seus músculos, numa só estirada
Põem-se a trabalhar.
Poesia feita por Hugo Leonardo.
Meu filho,23.