A UNIÃO LIVRE. POESIA DO FUNDADOR DO SURREALISMO.

"Principal fundador da vanguarda surrealista, André Breton nasce em Tinchebray (França), em 1896. Muda-se para Paris em 1913, a fim de estudar medicina. Em 1915, é convocado para a Primeira Guerra Mundial e, em seguida, mandado a Nantes para trabalhar numa enfermaria neurológica. Aí se inicia seu contato com o poeta francês Guillaume Apollinaire, com quem passa a compartilhar ideias dadaístas.

Em 1917, passa a trabalhar em um hospital psiquiátrico em Saint-Dizier. Sob a influência dos estudos de Sigmund Freud e já um dissidente do dadaísmo, escreve, em 1924, o primeiro Manifesto Surrealista, em que defende os instintos humanos e o inconsciente como verdadeiras forças criadoras da expressão artística. O Manifesto converte-se em referência para intelectuais e artistas, não apenas na literatura, como também no cinema e, sobretudo, nas artes plásticas. Por meio da revista La Revolution Surréaliste, contribuiu de modo decisivo para a consolidação do movimento, que teve repercussões além dos limites europeus.

A união livre

Minha mulher com a cabeleira de fogo de lenha

Com pensamentos de relâmpagos de calor

Com a cintura de ampulheta

Minha mulher com a cintura de lontra entre os dentes de tigre

Minha mulher com a boca de emblema e de buquê de estrelas de primeira grandeza

Com dentes de rastros de rato branco sobre a terra branca

Com a língua de âmbar e vidro friccionado

Minha mulher com a língua de hóstia apunhalada

Com a língua de boneca que abre e fecha os olhos

Com a língua de pedra inacreditável

Minha mulher com cílios de lápis de cor para crianças

Com sobrancelhas de borda de ninho de andorinha

Minha mulher com têmporas de ardósia de teto de estufa

E de vapor nos vidros

Minha mulher com ombros de champanhe

E de fonte com cabeças de golfinhos sob o gelo

Minha mulher com pulsos de palitos de fósforo

Minha mulher com dedos de acaso e ás de copas

Com dedos de feno ceifado

Minha mulher com as axilas de marta e faia

De noite de São João

De ligustro e de ninho de carás

Com braços de espuma de mar e de eclusa

E mistura do trigo e do moinho

Minha mulher com pernas de foguete

Com movimentos de relojoaria e desespero

Minha mulher com panturrilhas de polpa de sabugueiro

Minha mulher com pés de iniciais

Com pés de molhos de chaves com pés de calafates que bebem

Minha mulher com pescoço de cevada perolada

Minha mulher com a garganta do Vale do Ouro

De encontro no próprio leito da correnteza

Com os seios de noite

Minha mulher com os seios de toupeira marinha

Minha mulher com os seios de crisol de rubis

Com os seios de espectro da rosa sob o orvalho

Minha mulher com o ventre a desdobrar-se no leque dos dias

Com ventre de garra gigante

Minha mulher com o dorso de pássaro que voa vertical

Com dorso de mercúrio

Com dorso de luz

Com a nuca de pedra rolada e giz molhado

E queda de um copo do qual se acaba de beber

Minha mulher com os quadris de escaler

Com os quadris de lustre e penas de flecha

E de caule de plumas de pavão branco

De balança insensível

Minha mulher com nádegas de arenito e amianto

Minha mulher com nádegas de dorso de cisne

Minha mulher com nádegas de primavera

Com sexo de lírio roxo

Minha mulher com o sexo de jazida de ouro e de ornitorrinco

Minha mulher com o sexo de algas e bombons antigos

Minha mulher com o sexo de espelho

Minha mulher com olhos cheios de lágrimas

Com olhos de panóplia violeta e agulha imantada

Minha mulher com olhos de savana

Minha mulher com olhos d’água para beber na prisão

Minha mulher com olhos de lenha sempre sob o machado

Com olhos de nível d’água de nível do ar de terra e de fogo.

ANDRÉ BRETON.

ANDRÉ BRETON.
Enviado por Celso Panza em 26/10/2014
Código do texto: T5012456
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