o velho retezo gremecha

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a parada de ônibus estava cheia hoje.

acho q porq é volta às aulas. muitos garotos fardados.

ninguém quer perder a hora.

por meus cabelos brancos um dos garotos me cedeu o lugar.

estive sentado por pouco tempo. não se passaram cinco minutos.

meu ônibus chegou. nardi o motorista nunca atrasa.

trabalho distante de casa. na companhia de abastecimento da decápolis.

levo quase uma hora para chegar ao centro administrativo.

recebo seleciono arquivo documentos. há mais de meio século.

há um ano moro longe da intensidade da vida urbana.

não por não gostar. tudo aqui me agrada.

mas a idade já não me permite participar ativamente.

deixo aos jovens. como fizeram os velhos antes de mim.

não penso em aposentadoria.

os três filhos já tentaram muito.

prometendo prover tudo para mim.

os jovens não sabem o q é envelhecer.

principalmente envelhecer só.

depois q iga morreu envelheci décadas nalguns poucos meses.

dil meu labrador velho e amigo: envelhece comigo.

dil sabe o q é não ter pulmões para uma corrida no parque.

não recordo a última vez q o fizemos.

não reclamo da vida. meus avós contavam q seus avós viveram antes da névoa.

antes da névoa não se vivia. antes da névoa se aguardava a morte.

quase sempre trágica. o avô de minha avó foi esfaqueado até à morte.

destino de tantos antes da névoa.

desde q a névoa foi instaurada na decápolis

não há registro de nenhuma violação grave às nossas leis.

devo à nevoa minha longevidade minha saúde meus bens.

senão meu fim seria o mesmo dos avós de meus avós.

quero morrer tal como minha velha iga naturalmente aos 90.

pretendo pegar no colo os filhos de meus netos.

agora é esperar nardi. nardi nunca atrasa.

mesmo com essa garoa q não cessa há anos

deixando as ruas e asfaltos e calçadas e telhados e árvores molhados.

agora é chegar em casa acender meu charuto

cheirar dil um jantar leve esperar a hora de dormir.

talvez hoje beba algumas taças de vinho

– fazem dois anos q iga morreu.

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