o barulho do vento entre os prédios

*

o barulho do vento entre os prédios

deixava tarlico pensativo.

nestes tantos anos na rua

o frio das madrugadas

lhe roubou o hábito de interrogar a si mesmo.

no centro da carcaça de tarlico

só o barulho do vento entre os prédios.

o q lhe perturbava.

ficar ou partir já não eram questões relevantes

após tantos anos na rua.

quem o encontrava sempre de cabeça erguida

tentava ouvir o q tanto tarlico dizia.

ninguém jamais soube de seu pavor

diante do barulho do vento entre os prédios.

sob aquela barba informe e farta

tarlico mastigava palavras q se perdiam.

há quem diga q eram proferias.

os menos supersticiosos diziam q eram memórias.

do q duvido. tarlico não tinha dentro.

olhava por horas

tarlico assombrado pelo barulho do vento entre os prédios.

sabia de sua rotina. de seus trejeitos.

meu pai dizia q tarlico foi amigo de infância de

meu avô. dizia q tarlico enlouqueceu depois q

sua mulher tocou fogo em casa com

seus filhos dentro ao descobrir q perdera

seus bens no jogo. pouco a pouco.

do q duvido.

tarlico não podia existir antes de nós.

tarlico era feito dum pouco de todos nós.

da última vez q vi tarlico

olhei-o nos olhos negros.

tarlico não me viu.

tarlico não via ninguém.

perdi a razão

diante de tarlico.

somente o barulho do vento

entre os prédios tinha razão.

ouvi.

há alguns meses encontraram seu corpo.

boiando num monte de bosta.

numa fossa aberta.

jamais se investigou a morte de tarlico.

sabíamos q tarlico tava na hora de morrer.

não fui eu quem matou tarlico.

não foi nenhum de nós quem matou tarlico.

sabíamos q tarlico tava na hora de morrer.

tarlico morreu.

*

geovanne otavio ursulino
Enviado por geovanne otavio ursulino em 13/09/2014
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