o barulho do vento entre os prédios
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o barulho do vento entre os prédios
deixava tarlico pensativo.
nestes tantos anos na rua
o frio das madrugadas
lhe roubou o hábito de interrogar a si mesmo.
no centro da carcaça de tarlico
só o barulho do vento entre os prédios.
o q lhe perturbava.
ficar ou partir já não eram questões relevantes
após tantos anos na rua.
quem o encontrava sempre de cabeça erguida
tentava ouvir o q tanto tarlico dizia.
ninguém jamais soube de seu pavor
diante do barulho do vento entre os prédios.
sob aquela barba informe e farta
tarlico mastigava palavras q se perdiam.
há quem diga q eram proferias.
os menos supersticiosos diziam q eram memórias.
do q duvido. tarlico não tinha dentro.
olhava por horas
tarlico assombrado pelo barulho do vento entre os prédios.
sabia de sua rotina. de seus trejeitos.
meu pai dizia q tarlico foi amigo de infância de
meu avô. dizia q tarlico enlouqueceu depois q
sua mulher tocou fogo em casa com
seus filhos dentro ao descobrir q perdera
seus bens no jogo. pouco a pouco.
do q duvido.
tarlico não podia existir antes de nós.
tarlico era feito dum pouco de todos nós.
da última vez q vi tarlico
olhei-o nos olhos negros.
tarlico não me viu.
tarlico não via ninguém.
perdi a razão
diante de tarlico.
somente o barulho do vento
entre os prédios tinha razão.
ouvi.
há alguns meses encontraram seu corpo.
boiando num monte de bosta.
numa fossa aberta.
jamais se investigou a morte de tarlico.
sabíamos q tarlico tava na hora de morrer.
não fui eu quem matou tarlico.
não foi nenhum de nós quem matou tarlico.
sabíamos q tarlico tava na hora de morrer.
tarlico morreu.
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