O fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.

Entretanto tentei. Eu conto:

Madrugada a minha aldeia estava morta.

Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.

Eu estava saindo de uma festa.

Eram quase quatro da manhã.

Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.

Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Estava carregando o bêbado.

Fotografei esse carregador.

Tive outras visões naquela madrugada.

Preparei minha máquina de novo.

Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.

Fotografei o perfume.

Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.

Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.

Fotografei o perdão.

Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.

Fotografei o sobre.

Foi difícil fotografar o sobre.

Por fim eu enxerguei a ‘Nuvem de calça’.

Representou para mim que ela andava na aldeia de

braços com Maiakowski – seu criador.

Fotografei a ‘Nuvem de calça’ e o poeta.

Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa

mais justa para cobrir a sua noiva.

A foto saiu legal.

MANOEL DE BARROS
Enviado por Jaqueline Tavares em 06/07/2014
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