Fogo Morto
Sua voz chega a mim
feito chagas frente
ao inimigo eterno;
e de longe apercebe-se
como o mar
a cavalgar pedras imóveis telúricas.
Sua respiração
coloniza minha pele,
a mantém refém
por dias
semanas e anos.
Abstenho-me ao seu poder
metódico e capcioso.
Permito teu beijo gélido
(mas sensível).
Permito-me.
Distante, em um barco,
encontra-se o seu corpo suspenso
por cordas invisíveis.
E tu
me gritas,
mas não me chamas.
Permaneço inerte
pois a ouvi.
Penso: O ouvi.
Mas quando torno
o meu olhar,
não há nada
senão o azul viscoso e sombrio
do céu já caído
sobre ti,
e nossas estórias extraviadas.
Sinto-me vazio
no vazio dos corpos,
mutilados, se tocando.
Tu, abstruso
sob o céu,
escolhes subir.
Meu vazio
me chama a descer.
Ao infinito sulfúrico,
à costa escarpada em fogo.
Fogo eterno.
Fogo vivo.
Fogo morto...
Há muitas eras.