DESALINHO
DESALINHO
Ironi Lírio
Vendo os corpos ardendo freneticamente,
Seguindo o cortejo de almas incandescentes,
Ouvindo o grito dos mudos, o eco dos surdos
E o horizonte dos cegos,
Um lobo se anima e grita para o chacal:
- É o gado que estoura, andemos!
- Quem manda no mundo, mostremos!
- Quem corre, quem empurra?
Alguém compreende quando a alma sussurra?
- Quem bate ou apanha se o corpo se assanha?
Um sujeito se anima com a carne que leva.
É o cheiro do espólio, a herança de guerra.
Quando a esperança é acesa no grito do povo,
O canto do gago e a testa suada
Abrem os olhos dos cegos, de novo.
Para mostrar na avenida, a alma sofrida,
Do jeito moleque que virou homem.
II
Na vontade de ser enxergado,
O homem não vê que um lobo o espreita.
De repente, o corpo que cai, a vida se vai,
Há sangue no chão.
Proposital ou não.
Tumulto impreciso na contramão.
Naquele momento dispara um calibre.
O gado se aquieta,
A coragem inibe.
O mudo se cala,
O cego tateia, o lobo regala.
Do jeito do homem,
Que voltou a virar moleque.
III
Quem é que empurra, quem é que socorre?
A alma sucumbe, sem sonho ela morre.
Ninguém mais anima, a chama se apaga.
A vontade é contida, a voz sufocada,
A carne marcada, suada, sofrida,
No manifesto obtuso que segue com a vida.
E a vontade do gado de ser enxergado,
Sem rumo é esquecida.
O lobo sorri.
Tamanha habilidade de não largar o osso.
Ganância ou vaidade,
Que a matilha insolente,
Serrando seus dentes,
Convida a serpente a destilar o veneno contido
Com vontade
De destroçar o cortejo,
Do jeito moleque que virou homem.