A PEÇA (Teatro do Absurdo)
A PEÇA
(Teatro do Absurdo)
Carmo Vasconcelos
É uma peça sem nome...
No palco,
estrutura frágil
montada sobre alicerces de vidro,
um homem e uma mulher discutem
num antagonismo cortante,
a visível disparidade dos seus anseios.
O cenário é frio e pálido,
pintado com tinta de amor desgastado
e iluminado exiguamente
pelos diálogos irónicos, mordazes,
paupérrimos de luz.
Pelo chão,
ladrilhado de ofensas e mágoas,
flores massacradas e murchas
sem cor nem cheiro,
patinam num pântano de lágrimas antigas.
Do tecto
escorre um débil fio de água,
memória duma cascata de ilusões
recolhidas na pedra ferida
a golpes de ruptura.
E ao fundo… um quadro!
Numa pintura surrealista,
braços e bocas perdidos no espaço,
sonhos amputados e corações sangrando,
flutuam perdidos num mar de frustração.
De súbito, o insólito…
As flores agonizantes
ganham cor, viço e aroma,
inventadas pelos actores
na ânsia de serem felizes a todo o custo,
ainda que ilusoriamente.
Da cascata
a água irrompe em catadupa,
límpida e cantante,
na perspectiva fantasiosa
dos seus olhares cegos
em negação da realidade.
E a pintura surrealista,
castradora e depressiva,
é assimilada com sorrisos complacentes
como se fosse uma obra de arte
de rasgo estranho
no recusado entendimento.
Duvido do êxito desta peça…
Mas…
Os actores – pobres actores!
Numa atitude masoquista,
recusam-se a abandonar o palco…
Insistem
em representar o absurdo!
***
Lisboa/Portugal
http://www.carmovasconcelos-fenix.org