Novos Sentidos (A Feira)
Não é um sonho.
Mas a visão é escorregadia;
A sensação é nova:
Não pertenço a este corpo.
Não sou o que forço ser todos os dias.
Só sou o que sou quando estou só.
O que dizer? A verdade.
Mas ela é tão difícil de ser dita,
Parece que vai consertar tudo.
E talvez seja isso que me incomode:
A ideia de ser tudo verdadeiro.
Parece tão celestial,
Mas revelará todas as minhas falhas,
E não estou preparado pra me enfrentar dessa forma.
Por isso continuei andando.
Controlando meus membros como uma máquina.
Um passo antecedendo o outro,
Tentando não esbarrar em nada.
De tudo tinha: frutas, legumes, pessoas.
Eu, um número a mais.
Não saberia minha idade se me tirassem os documentos.
Condenado pela própria misericórdia.
Vago quase sempre entre as madrugadas,
Na minha cama,
Desbravando tudo de mim;
Me perdendo na infinitude do que sou,
Ainda não aprendi nada.
E, realmente, o que querem me dizer? Sei...
Que sabem o que passo;
Sabem o que penso.
Como quando virei aquela esquina
E Ele me disse: ''Qual a sua graça?".
Não respondi, porque minha voz ainda era hipócrita,
Igual o raio de sol que bateu no seu cabelo.
Então deu dois passos na minha direção,
Aproximando seu olhar indefinido,
Eu pude sentir o seu cheiro forte
Como ele também sentiu o meu.
"Ande, explique isso ai que insiste em sentir!", Ele gritou.
E naquele momento a minha mente se expandiu.
Porque respirei fundo...
Continuei em silêncio
Até o silêncio devorar sua ira,
E sentir o seu olhar mudar do nada para o tudo,
Do ódio para o amor.
E eu disse:
"É como um efeito divino, surreal... e permanente.
Sinto a alma se balançar desesperada dentro do corpo,
Querendo sair pela avenida, voar pelos prédios...
Como se o errado fosse apenas um ponto de vista
- Olhar além desses olhos que fecham? Um pecado para eles! -
E o corpo sendo colocado á parte de mim,
Tornando-se apenas um maquinário necessário para o hoje.
Devido o amanhã sempre pertencer a Deus..."
Ele sorriu mostrando seus dentes imundos.
E respondeu: "A vida é breve porque é duvidosa.
Só a morte é que nos revelará todos os segredos da vida,
Todos os mistérios da mente,
Todas as respostas que os suicidas procuravam...
Já sobre o amanhã, é um vácuo, uma incerteza.
Mas é o cúmulo da prepotência humana,
Devido a esperança que causa em alguns.
E o desespero que causa em outros.
Que tem a certeza de que existirá".
Olhou para baixo, arrumou o chapéu na cabeça, virou-se
E seguiu com seu cachorro pela feira.
Sem olhar pra trás,
Saboreando a nova descoberta desses tempos:
A pura intensidade do livre arbítrio.