MORTALHA

Um sábio falou em tempos de antanho:

“Para ser feliz precisa se ter o que AMAR, o que FAZER e o que ESPERAR”.

Inevitavelmente isto se mostrou uma verdade em nossa geração.

As centenas de best-sellers de autoajuda indicam que algo se perdeu pelo caminho.

Do AMAR sobrou o hermético egocentrismo,

Pleonasticamente contemplamo-nos a nós ante a vida,

Indivisíveis indivíduos que somos em monólogos eumistas;

Deuses de crenças monoteístas;

Narcisos autocráticos, monarcas absolutistas;

Não sabemos mais o outro

Ensimesmados em nossas conchas virtuais de impulsos ópticos e códigos binários,

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Do FAZER ficou-nos um eterno reconstituir do que já fora,

A latumiação infindável de palavras já ditas,

Playbackiamos o vivido numa ilusão de progresso,

Um neogandhi, um neohitler, a cada tempo ressuscitados,

Coma a água de um rio que tornará a ele num ciclo inter-minável,

A vida, montanha-russa com o mesmo ponto de saída e de chegada, revela-se.

Do ESPERAR nada sobrara,

Senão as duas mãos que cobrem a chama da vela em meio à tempestade,

O futuro é-nos dragão que ameaça o conforto de nossas misérias.

Sofremos diariamente uma terrível weltanschauung.

De guerras, escândalos e traições que indubitavelmente virão;

De sonhos de amor e de glória que sonhos continuarão;

A vida é queda e interrupção de queda que certamente virá.

É esta a única coisa que seguramente se espera

Deste pequeno intervalo que nos cabe,

Que resta-nos, então, senão tecer,

Penélopes, em presença dos inimigos,

A um Ulisses morto em costa estranha.

Saulo Palemor
Enviado por Saulo Palemor em 06/04/2014
Reeditado em 25/01/2017
Código do texto: T4759022
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