Nada

Cerrei os punhos até ficar com a pele roxa

Roí as unhas até deixar os dedos em carne viva

Quebrei o espelho e esmaguei todos os caquinhos

Até que o sangue escorresse de minhas mãos maltratadas

Pois não aguentava mais encarar o reflexo

Não acenda a luz

Ou a claridade irá queimar meus olhos amaldiçoados

Oh, não deixe que o silêncio venha

A quietude me atormenta mais

Que os gritos das almas

Meu coração está morto

E não há mais razões para lutar

O ódio me mantém de pé

Como a um zumbi teimoso

Lutando uma batalha a que não pertence

À qual não entende

Um espectro apavorante de outrora

É o reflexo que não ouso espiar

Agora restam só os fantasmas

E essa solidão vazia

Que deixa ânimo apenas

Para explodir o Universo

Murmúrios incoerentes ecoam em minha mente

De que importa ouvi-los

Se está tudo acabado?

De que importa qualquer coisa

Após o fim do mundo?

Não há recomeço

Não há esperança

Só resta o nada

O maldito nada que não representa nada

E sequer merecia um nome

Não vale a pena perseguir o nada

Quando sequer deveria estar viva

Por que sobreviver ao fim do mundo

Se não posso encarar sequer meu reflexo?

O preço que não foi pago com a morte

Será pago com a eternidade

E um tormento eterno

Pode ser pior que a não existência

Torturada para sempre

Por tudo aquilo que perdi

Por tudo aquilo que julguei ter

Presa nas ilusões que alimentei

Presa, presa, presa

Presa numa loucura aleatória

Que me levou exatamente a lugar nenhum

Que me levou ao nada

Quando todos já tinham partido

Não é possível acreditar em amor

Quando a realidade é tão escura

Não é possível acreditar em nada

Quando tudo já acabou

Acabou, acabou, acabou

O mundo já acabou

Não existem nem mesmo as memórias

Tudo é solidão

Nada é solidão

Será que o nada é capaz de me abraçar?

Ou o abraço do nada

É ainda mais melancólico que a completa ausência?

Ausência, ausência, ausência

Desprovida de tudo

Despida de todos os sonhos ingênuos

Que idiotamente um dia moveram o mundo

Sobrou apenas a escuridão

Uma escuridão que alimenta o ódio

Ódio, ódio, ódio

Único sentimento que resta após o fim

Porque você disse que estaria comigo no fim

E mentiu, mentiu, mentiu

Porque você não vai voltar

Porque você se foi junto com o mundo

E me deixou presa ao nada com os fantasmas

E eu te amei, amei, amei

Mas não amo mais

Porque tudo acabou

E eu vou me afogar na escuridão

Quando todos os espelhos se quebrarem

E o nada engolir todos os cacos