Deus desamparado
Apresentaram-me um Deus
Masculino, branco, velho,
Barbudo, tropicalista, pai,
Não tinha câncer de próstata;
Mas era ranzinza, vingativo,
Frio, calculista, avarento,
Querendo meus dez por cento ou mais
Do meu dinheiro. Capitalista.
Com seus natais e anos novos,
Panetones, perus, vinhos, nozes,
Períodos pascoais, coelhos;
Ovos, chocolates e tudo mais;
Também mantinha, incontinenti,
Seus dias chatos e santos;
Ceias santas e sextas da paixão,
Domingos e festas de São João;
Quentão, amendoim, pipocas;
“Corpus Cristis”, finados; e,
Finado seria eu, no doze,
Se eu não obedecesse...
Eu disse: “ai de mim”.
Graças a Deus virei ateu.
Um dia o encontrei na feira:
Velha, negra, gorda, meio corcunda;
Cheia de varizes na perna;
Sorria e comprava tomates verdes,
Dos que estavam na promoção.
Fiquei com vergonha dele,
Pensei que ele ia se lembrar de mim.
Tinha trabalhado lá em casa,
Poderia vir com intimidades.
Fiquei um tanto confuso, arrependido,
E fui procura-lo pela cidade.
Mas o cabra estava depressivo;
Tinha cara de “paraíba”,
Magro, desdentado e de bicicreta.
Fumava base em baixo do viaduto
E tinha acabado de arrombar
Uma residência e estuprado uma moça.
Deixei ele pra lá... Tá loco...
Carlinhos Matogrosso.