Autobiografia de um Homem
Porque me sustento sôbre meus próprios pés ?
Assisto pontualmente a minha agônia.
Com um nome e um destino assinalado.
Apenas eu podia recordar
Os rostos semelhantes aos dos mortos
A quem nego conhecer
Porque estão sempre comigo.
Porém há alguém espiando-me
Através de uma fenda pequena quase inutil.
É um menino sem dimensão e nem ternura
A quem tive que matar antes de dar-lhe a vida.
Dêsde os ossos
Me grita amaldiçoando.
Dêsde o impassível ventre de sua mãe
Me grita amaldiçoando
Sempre me está gritando . . .
Oh ! Seus cabelos negros
E suas mãos como raizes quebradas.
Porém êle está me gritando,
Incansável,
E terno,
Águas de um rio,
O campo, a rota, em meu sangue
E então
Tudo é inservível
Como uma mulher enferma;
E triste.
Como um guerreiro morto ao amanhecer.
Só ao longe
Contemplo um homem vivendo.
Tão longe que não há distância que possa ferí-lo.
Tão longe que minha voz se perde com o eco inexato
De uma fôlha enterrada.
E estou no anonimato
Como que saudade adormecida.
Diáriamente venho
- como todos -
A morrer nas oficinas
E a imaginar mulheres
Bonitas, rompendo-se em desejos.
E amo outra vez
E outra vez me canso.
Encontro um coração frio nas esquinas
E compreendo porque hoje em dia
A cidade
Tropeça como um cego.
2007/04/11