Reflexões de um esqueleto
Neste vil mundo onde não sou ninguém
E tudo em mim é uma notícia antiga,
Que poema vagabundo abriga
Este desastre que vem do além?
Sigo entoando invisíveis cantos
Circunfluindo levas de fantasmas,
Todos reféns de seus ectoplasmas,
Meio demoníacos, meio santos.
E eu nesse bucólico recanto
Adjetivando inexistência,
Exercitando morta paciência,
Suportando o eterno, entretanto.
Aqui debaixo desta árvore torta
Proclamo a anti-desesperação
Que um esqueleto desmorona em vão
A natureza da pessoa morta.
Não estou morto nem estou vivendo,
Desonro a lógica e desarmo Deus,
Sou o flagelo de crentes e ateus,
A sua corrupção eu empreendo.
E eis-me aqui com o poder imenso
De nada ser e ser tão abissal,
Sem carne peçonhenta, sem o mal
De ter uma estrutura, um corpo denso.
Em decomposição, chego ao bom senso
De me reagrupar na natureza
Com a insubstancial leveza
E inteligência morta que condenso.
Se debaixo desta árvore penso,
Ziguezagueando em infinito sonho,
Porque resta em mim esse terror medonho
Da morte após a morte, que não venço.
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