Metáfora
Gilberto Gil
Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível
Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudonada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfo
Angustia
Não escondo de ninguém, meu gosto pela metáfora.
Portanto, se eu lhe disser: Ternura!
Cuidado! Não se arranje a crer e creditar a outrem,
Que eu falo das flores que somente florescem em maio,
Vá que eu fale da pedra dura da qual foi feito o paralelepípedo,
Que arrojastes contra a janela do meu coração!
Não! Eu não tenho o coração partido!
Permanece intacta, minha solução.
Eu acredito no perdão.
Acredito na vida e na comunhão dos fatores e nos atores
Que a ela se consagram, tornando-a, tão somente metáfora
Ah! Cristo meu senhor, prudente é a serpente que deita-se a sombra;
Da figueira e aguarda o fruto que do céu cai com pássaros em seu encalço.
Eu?
Ora, eu sou apenas o observador, não interfiro.
A vida vai por mim adentro, consumindo-se em palavras
E o fruto da arvore cai por minha goela adentro, sem que eu saiba do sabor.
Ora, se cuspo sementes, não queira que eu seja responsável por germiná-las,
Já fiz minha parte: Cuspi!
Deixe que a morte, delas cuidem
A vida! Esta tem pressa, e é razoável que tenha!
Por ora, desacredite de tudo que eu disser, sentir, escrever...